sábado, 2 de dezembro de 2017

O Barcelona de Ernesto Valverde e a solidez defensiva

Tem gerado muito debate as ideias que Ernesto Valverde implementa na construção do Barcelona 2017/2018. Garantido na liderança do seu grupo na Liga dos Campeões (que também tem Juventus) com uma rodada de antecedência e líder do Campeonato Espanhol com 35 pontos, quatro a mais que o vice-líder Valencia, e oito a mais que Atlético e Real Madrid, respectivamente terceiro e quarto colocado, é evidente que a temporada é de muitos méritos até o momento, sobretudo pela capacidade de reação mental após a acachapante goleada para o rival madridista na Supercopa, evidenciando uma inédita inferioridade ao oponente na era Messi. Porém, o caminho que leva as vitórias é ao menos incomum quando se trata de Barcelona. Não que Valverde tenha rompido com o DNA do clube, abdica da posse e joga por uma bola. Nada disso. É justamente porque, nesses primeiros quatro meses de competição, o setor do campo barcelonista mais destacável é a defesa, o contrário dos últimos ciclos vencedores com Josep Guardiola (meio-campo) e Luis Enrique (ataque).

O SISTEMA DEFENSIVO E A FASE DAS PEÇAS-CHAVES

Foto: Site Oficial da Uefa | Busquets, Ter Stegen e Umtiti concentrados: rotina nesta temporada

E por que, coletivamente, o Barça tem se defendido tão bem? O motivo principal é simples: quando perde a pelota, tem até quatro ou cinco jogadores jogadores impedindo os adversários de transitarem com soberania. Sobretudo se tem Semedo ou Sergi Roberto de lateral-direito, os blaugranas têm maior estabilidade para se protegerem de transições. É, desde a queda de Xavi (um mago que não perdia a bola e fazia por si só o time ser tão seguro na retaguarda), o Barcelona que menos sofre com contra-ataques, um problema que costumeiramente, independente do técnico, assola a equipe há alguns anos. Quando é o opositor que tem a bola, são duas linhas de quatro compactadas e disciplinadas, mas aí entra a questão individual. Primeiro de tudo que a solidez defensiva é consequência de um esquema de jogo mais equilibrado, logicamente, mas também porque peças como Ter Stegen, Umtiti e Busquets estão em outro nível atualmente.

Stegen hoje dá a impressão que para ser vazado só se um jogador estiver mais do que inspirado na finalização (que o diga Dybala). Com reflexos cada vez mais apurados, o goleiro alemão vai aprimorando atributos que até então geravam desconfiança, sobretudo o posicionamento, muito mais estável, que ocasiona um maior leque de variações debaixo da trave. E essa consistência já começa a transmitir confiança para seus próprios companheiros. O mesmo que Umtiti. A tremenda exuberância física somada à eficiente regularidade protegendo a retaguarda pelo alto ou antecipando fazem do francês o melhor zagueiro atuando em solo espanhol na atualidade. Assusta a tranquilidade e a segurança com que joga Umtiti. Mais: o valor adquirido pelo defensor na criação do Barça é crucial. Ausente da figura de um volante e/ou meia gestor de jogo e do adeus de Daniel Alves há dois anos, a saída de bola barcelonista foi perdendo qualidade gradativamente. Com o francês, se não resgata os tempos áureos, ao menos serve para recuperar aptidão. O primeiro passe e, em especial, as conduções de Umtiti são argumentos de força para o Barcelona escapar de uma primeira pressão ou cruzar o círculo central com preservação. A propósito, para quem acompanhou com afinco o Barcelona na última temporada, a evolução de alemão e francês não surpreende: ambos demonstraram, por um momento, lampejos que certamente tornaria-se algo constante uma hora ou outra.


A IMPORTÂNCIA DE VALVERDE PARA BUSQUETS E A RECUPERAÇÃO DA HIERARQUIA DE INIESTA

Foto: Site Oficial do Barcelona | A versatilidade tática de Valverde é ratificada na figura de Paulinho, espécie de coringa para o treinador. Com o brasileiro em campo, o Barça pressiona melhor no campo defensivo rival

Para Busquets, depois de uma temporada complicada no ano passado, não poderia haver treinador melhor (dentro da lógica, é claro, já que Guardiola não é “possível”) que Valverde para comandá-lo a um ano da Copa do Mundo. Os “conceitos” do natural de Viandar de la Vera combinam com a natureza do volante catalão: pressão adiantada, paixão pela bola e tendência a escalar o máximo de passadores possíveis. Os números evidenciam o “estilo Valverde”: os três melhores passadores da Liga são culés. Busquets com 822 passes, Umtiti com 805 e Rakitic com 762. Com a auto-estima elevada, Busquets tem exibido semanalmente uma série de gestos técnicos visualmente alucinantes.

Quem sorri à toa com a recuperação do melhor Busi (e Rakitic) é Iniesta. Com a zona central tendo mais peso com Valverde do que tinha com Luis Enrique, Iniesta, aos 33 anos, corre menos e descansa mais. É evidente que o camisa 8 se desgasta menos em campo, e isso só é possível porque, a todo momento, Busquets e Rakitic se juntam a ele para dar um toque de controle necessário aos azulgrenás. Exatamente um ponto permitido devido à saída de Neymar. Já não há mais necessidade da medular trabalhar quase que exclusivamente para o trio de ataque, portanto, fisicamente, a contribuição é menor e a hierarquia é maior. Iniesta atua como se o Barcelona fosse “seu”. Aliás, quem tem feito as vezes de Neymar é justamente Andrés. Muito por causa da assimetria do sistema-base. Na teoria, Messi é falso nove e Suárez ponta esquerda; mas, na prática, Suárez pisa em regiões muito mais próximas à grande área do que na linha lateral. E quem cobre essa área são Alba e Iniesta. Embora, é verdade, o lateral se posicione mais adiantado que o meia, é Andrés quem recepciona o primeiro passe de Jordi, que era recepcionado por Neymar.

Falando em sistema e tática, Valverde vai mostrando na Catalunha uma versatilidade inusual em sua carreira. Só nessa primeira parte da temporada foram quatro esquemas testados: 4-3-3 (esquema da casa), 4-4-2, 4-2-3-1 e 4-3-1-2/4-1-3-2 das últimas semanas. Em todos, duas características em comum: a boa gestão da bola e o aplicado posicionamento que permite ao time avançar a marcação. Nesse último aspecto Paulinho é chave. O potente vigor físico faz com que o brasileiro seja uma espécie de coringa para Valverde. Seja como meia central ou como meia-atacante (posição esta na qual foi escalado contra a Juventus em Turim), Paulinho permite ao Barça ter uma pressão de maior impacto no campo de defesa rival. Messi segue com total liberdade em campo, então é Paulinho quem compensa o espaço deixado pelo argentino, seja no ataque ou pelos lados. Como o brasileiro não tem tanta sensibilidade para o primeiro passe quanto Busquets, Rakitic e Iniesta, o comandante não faz nenhuma questão que o ex-Corinthians participe da saída de bola: Paulinho está totalmente enfocado às jogadas nos 30 metros finais.


SUÁREZ EM BAIXA: CONSEQUÊNCIA DO ESQUEMA?

A preocupação está na última linha. Messi segue sendo Messi e é o artilheiro de La Liga com 12 gols, mas a fase de Suárez definitivamente não é boa. Fora de sintonia, tem se mostrado desacertado e ansioso. Se falamos no quarto parágrafo que Iniesta se esforça menos, com Suárez é diferente. Até pela assimetria citada e a saída de Neymar, este Barça faz do lado direito o mais acionado e profundo e o uruguaio precisa exibir uma aplicação em dobro para compensar pela esquerda. Por isso seu posicionamento inicial é mais distante do gol e atacar os espaços infiltrando-se às costas dos zagueiros como tanto gosta de fazer é uma tarefa árdua nos dias de hoje. Com 30 anos e marcado por uma intensidade acima do normal demonstrado ao longo da carreira, a frescura nos movimentos do Pistoleiro parecem ser obra do passado. Nota-se o quão cansado fica Suárez após uma disputa, o que tem como consequência a baixíssima precisão nas finalizações, nos dribles e até mesmo no passe: é como se o corpo não respeitasse mais cérebro, gerando múltiplos erros e um posicionamento débil que o deixa em impedimento frequentemente.

O que fazer para sanar essa carência? Valverde parece ter parte da resposta. Suárez fez dois jogos (número baixo para se chegar a uma conclusão, decerto) acima do seu padrão pessoal de 2017/2018 justamente quando teve ao lado um outro centroavante, Paco Alcácer, contra Sevilla e Legañes. Basicamente porque, nessas partidas, Valverde abdicou de dois jogadores (teoricamente) abertos, o que não houve necessidade por parte de Luisito de primeiramente gerar espaços no lado esquerdo para depois cumprir funções como 9. Quem ofereceu essa agressividade na movimentação foi Alcácer, seis anos mais novo. Melhor oxigenado, pôde chegar arejado às conclusões e deixou sua marca duas vezes. É claro que o problema de Suárez é técnico, mas muito por consequência de um déficit físico.

Temos muita margem de melhora no jogo, tanto no ataque, quanto na defesa; seja na saída de bola ou na pressão. Sinceramente, em tudo mesmo. Tivemos uma mudança importante depois de uma troca de treinador e a saída de um dos nossos melhores jogadores. Passamos bem por isso. Temos confiança e força e agora é melhorar. Em todos os jogos nós tivemos o controle. Antes, com Neymar, tínhamos mais desequilíbrio e espetáculo. Talvez falte um pouco disso aí. Mas com a mudança de sistema, tudo muda. Ganhamos equilíbrio entre as linhas, vamos juntos seja para frente ou para trás. Creio que “caiu bem” perder a Supercopa, para refletirmos sobre aquilo“.

As palavras de Rakitic em uma entrevista exclusiva ao Mundo Deportivo refletem a credibilidade que Valverde tem com o elenco. Como todo início de projeto, a margem de evolução existe, mas o Barça ainda é irregular. Falar de Liga dos Campeões o buraco é mais embaixo, mas a elaboração do treinador visando os torneios domésticos é muito semelhante aos dos times do Barcelona vitoriosos. O tempo (e o trabalho) irá definir e dizer melhor sobre o Barcelona 17/18. Mas se o time conseguir manter no mata-mata da UCL essa solidez defensiva, com Ter Stegen e Umtiti minando o otimismo do adversário, e Messi na frente, sonhar com a orelhuda não será nada impossível. Afinal de contas, quem tem Messi, tem tudo.

Obs 1: texto escrito antes do empate entre Barcelona 2×2 Celta de Vigo. Obviamente, o resultado em nada influencia na análise.

Obs 2: uma lesão no bíceps femoral da perna direita irá tirar Umtiti dos gramados pelos próximos dois meses (leia mais aqui). Uma perda sem tamanho para o Barcelona, visto o momento abaixo do potencial de Piqué e a total incógnita que segue sendo Vermaelen. Mascherano deverá estar à disposição de Valverde nos próximos jogos; no entanto, já tem dado sinais de decadência em relação aos anos anteriores.

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