terça-feira, 30 de agosto de 2016

San Lorenzo: um bairro, uma cultura, um amor

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Imagem: Grupo Artístico Boedo – Mural N°68 “Los Matadores”

Onde os corvos cantam, os argentinos fazem Carnaval.

Existem muitos tipos de torcedores e torcidas épicas, mas essa é um pouco diferente. Quer saber o porquê? Então imagine em uma mesma arquibancada: Papa Francisco dando benção ao time e rezando pela vitória; o Rei Aragorn de Senhor dos Anéis, jurando sua espada a equipe e tentando fazer os rivais se curvarem aos atletas; e ainda no lugar mais escondido do estádio, Edgar Allan Poe, o escritor britânico com seu bloquinho de notas passando versos inspirados a serem cantados por toda massa.

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Imagem: Grupo Artístico Boedo – Mural nº 1 “Barrio de Murga y Carnaval”

Loucura, né? Na verdade é muito mais que isso. É o San Lorenzo, tradicional clube argentino que leva a campo um dos mais fortes legados culturais. E não é apenas porque Papa Francisco e Viggo Mortensen (o ator que interpreta Aragorn) são fãs declarados do time e nem por conta de um famoso poema de Poe se chamar “O Corvo” (brilhantemente traduzido por Machado de Assis e Fernando Pessoa nas versões em português), apelido também do clube azulgraná.

É um caso antigo, e como você vai ver: começa em Almagro para ganhar vida e história no bairro de Boedo, lar de escritores e artistas de esquerda como Antonio Zamora, Leónidas Barletta, Nicolás Olivari e Elías Castelnuevo. O tempo passou, o estádio foi confiscado e a casa mudou de bairro, mas a torcida fiel nunca sairia de lá.

Pintando e cantando a paixão por Boedo.

Em grande matéria do blog Impedimento, o bairro tão amado por torcedores do Ciclón recebeu a feliz alcunha de “Billboedo”. Não é exagero, devido a quantidade de músicas criada pela torcida e que hoje ganha versões para diversos clubes espalhados pelo mundo, o seu inclusive, pode ser um deles.

E os cantos tem uma grande motivação. Em 1916, o clube ganhou uma casa e saiu de Almagro para Boedo, onde ficava o estádio (El viejo) Gasômetro. Lá o San Lorenzo cresceu, ganhou títulos e formou sua torcida até que em 1979, o governo ditatorial argentino forçou uma compra ao terreno do templo sagrado. Anos mais tarde, o espaço viria a se transformar em uma franquia do supermercado Carrefour.

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Imagem: Grupo Artístico Boedo – Mural nº 23 “Hijo, me verás volver”

Obviamente, os hinchas nunca digeriram esse fato. Organizaram marchas, passaram a pintar muros e paredes pela Argentina, além de compor canções sonhando com a volta ao bairro. O resultado depois de uma longa manifestação artística é o sucesso. Hoje, o clube manda seus jogos no bairro das Flores no Nuevo Gasômetro, mas já conseguiu um acordo com a rede de supermercados francesa para recomprar o local e construir ali uma nova arena para matar uma velha saudade. Os corvos estão voltando ao ninho.

Ao longo da matéria selecionamos alguns murais e abaixo escolhemos algumas canções para ilustrar o espírito Ciclón.

Os versos escritos em azul e grená.

Vengo del barrio de Boedo
Barrio de murga y carnaval
Te juro que en los malos momentos
Siempre te voy acompañar
Dale dale Matador (3x)

Essa todos conhecem. É melodia e inspiração pra uma das canções que mais nos provocou em 2014. Na boca da torcida argentina o “Vengo del barrio de Boedo” se transformou em “Brasil, decime qué se siente”. É claro que preferimos a versão cuerva.

Reforçando o amor e o casamento com o San Lorenzo, exaltando a festa em torno do clube e incentivando o time por meio de mais um apelido: Matador. A música rapidamente fica na cabeça do torcedor e contamina um estádio.

 

Cuervo, mí buen amigo
Esta campaña volveremos a estar contigo
Te alentaremos de corazón
Esta es tu hinchada que te quiere ver campeón
No me importa lo que digan
Los de Boca y Huracán
Yo te sigo a todas partes
Cada vez te quiero más

Torcidas do mundo todo cantam essa, substituindo a palavra “cuervo” por algum outro mascote ou pelo nome do time. A música aproveita para mostrar indiferença a hinchada do Boca Jrs e do maior rival, o Huracán.

Além de reforçar sempre a paixão pelo clube que eles seguem a qualquer lugar e que querem cada vez mais.

 

Hay un sueño que aún me queda por lograr
Ya falta menos y nadie me puede parar
Yo te prometo que muy pronto volveremos
A levantar los escalones en Boedo

Olha só, não é que uma música brasileira serviu de inspiração? A paródia da música de Ana Carolina veio diretamente de um canal do Youtube chamado Los Cuervos de Poe, que usa o escritor inglês como inspiração e ainda mostra a alegria na Volta a Boedo em várias expressões artísticas. Sempre com o mote: Vuelve la cultura a Boedo.

 

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Imagem: Grupo Artístico Boedo – Mural nº 48 “Campeones de América”

“Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua.”
E o corvo disse: “Nunca mais”.

Trecho de O Corvo de Edgar Allan Poe, traduzido por Machado de Assis.

Pegando carona do canal anterior, é claro que não deixaríamos de analisar o grande poema intitulado “O Corvo” de Edgar Allan Poe. Nos versos, um corvo surge em meio a um clima tenso e sombrio, bradando “Nunca mais” diversas vezes para diferentes perguntas.

A torcida também pode fazer isso. Para qualquer adversário que costumava a provocar o Ciclón referente a falta do título na Libertadores (alguns rivais diziam que CASLA significava na verdade Clube Atlético Sem Libertadores), Os cuervos bradam: Nunca mais.

Para os jogos em outro bairro, com outra atmosfera que não Boedo. Os cuervos logo bradarão: Nunca mais.

Para qualquer fã que também admire a cultura e o carnaval em volta do clube. Esparamos que Os Cuervos por fim bradem: E vem muito mais.

Que Papa Francisco os abençoe e Aragorn os proteja.

Agradecimento: ao Grupo Artístico Boedo, por liberar o uso das imagens dos murais nesse texto. Conheça mais sobre o trabalho deles aqui: http://ift.tt/2bXkBTx

 

O conteúdo acima é de responsabilidade expressa de seu autor. O Doentes por Futebol respeita todas as opiniões discordantes e tem por missão promover o debate saudável entre ideias.

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