quinta-feira, 27 de julho de 2017

Por que o sucesso do Botafogo é importante para o futebol brasileiro

O Botafogo é uma das grandes histórias do futebol brasileiro nos últimos dois anos, se não a maior. Retornando da Série B em 2016, o time conseguiu uma surpreendente classificação para a Libertadores após ascensão meteórica na segunda metade da temporada. Virou o turno em 13º, a dois pontos do rebaixamento, e terminou em 5º, com 11 vitórias nas últimas 19 rodadas. Para mostrar que o bom momento está baseado na competência e não na sorte, faz outro bom Brasileiro, é semifinalista da Copa do Brasil e está nas oitavas da Libertadores, depois de eliminar quatro campeões continentais.

O curioso é que se analisarmos o histórico puro, o clube carioca emendou duas participações na Libertadores em apenas quatro anos. Nunca antes na sua história o Glorioso tinha disputado a principal taça da América em sequência assim. Mas um abismo separa os anos de 2014 e 2017. Rebaixamento, muitas dívidas, perda de técnico, montagem de elenco, remontagem de elenco… Enfim, N fatores que empurraram o clube para baixo. E tudo isso só engrandece o biênio alvinegro.

A história do Botafogo 2016/2017 é a de um conjunto de fatores que, conectados, tiraram o clube da lama da segunda divisão e, num movimento improvável, o levaram ao seu melhor momento da década.

Saber entender o momento

A instituição Botafogo de Futebol e Regatas é das maiores do país. Mas, pelo menos desde os anos 2000, não correspondia ao seu tamanho, especialmente pela delicada situação financeira. Esse é um grande problema das gestões dos grandes clubes brasileiros: apoiadas no passado rico, se debatem contra momentos de baixa e tentam agir como se tivesse um poderio financeiro compatível com suas páginas.

Geralmente isso resulta em uma sucessão de dívidas empurradas com a barriga para a gestão seguinte, até que a bomba estoura em alguém. Afinal, na nossa cultura excessivamente resultadista, ninguém está disposto a usar seu mandato para tornar o clube saudável, pensam apenas em guardar troféus a qualquer custo.

Quando o atual presidente Carlos Eduardo Pereira assumiu a presidência, no final de 2014, o Botafogo acumulava 795 MILHÕES DE REAIS em dívidas. Era impossível tocar o clube assim. Naquele momento, definitivamente, o Glorioso não poderia ser gerido como uma das potências do futebol brasileiro. O momento não era para colocar a busca por títulos acima de tudo, mas de pensar em reerguer o clube financeiramente e colocá-lo nos eixos novamente.

carlos eduardo pereira

Foto: Vítor Silva/SSPress/Botafogo – Gestão de Carlos Eduardo Pereira prioriza a saúde financeira

Nesse cenário, Pereira fez o básico: parou de gastar mais do que entrava. Estancou o sangramento que estava fragilizando a instituição. A partir disso pôde pensar em restabelecer a saúde do Botafogo. Negociou (e pagou) dívidas e reajustou os gastos de acordo com as receitas. Nada de negócios mirabolantes ou reforços caros, a realidade do time de General Severiano não era essa. Dentro dos limites impostos pela grave situação financeira, o clube começou a se remontar, sempre pautado na urgente reestruturação financeira.

A saída de Ricardo Gomes foi simbólica. Primeiro, deu a letra da realidade do Botafogo. Lutando para permanecer na elite e com orçamento apertado, o clube não tinha condições de segurar seu técnico. Segundo, revelou a acertadíssima escolha por Jair Ventura na sucessão. Claro que existe a dose de sorte aí. Qualquer um seria taxado de louco se, quando o novo treinador assumiu, falasse que o Botafogo voltaria à Libertadores e estaria entre os mais regulares do Brasil no ano seguinte. Ninguém esperava tamanho sucesso, mas às vezes o pão precisa cair com a manteiga virada para cima.

O excelente trabalho de Jair Ventura

Jair Ventura merece incontáveis elogios pela fase botafoguense. Teve percalços? Sim, quem não teve? Mas é só analisar friamente onde ele se meteu e o que conseguiu fazer em tão pouco tempo para dimensionar seu trabalho. Jair está no Botafogo desde 2008, era auxiliar permanente no clube. Fora os jogos como interino, não tinha nenhuma experiência como técnico profissional, embora já trabalhasse com o grupo principal.

jair ventura

Foto: Vítor Silva/SSPress/Botafogo – Jair Ventura faz um dos melhores trabalhos no futebol brasileiro

Seu primeiro projeto foi assumir o recém-promovido Botafogo na zona de rebaixamento. A pressão da torcida era inerente, o clube corria o risco de voltar à segunda divisão um ano após subir. A direção não tinha condições de reforçar o modesto elenco. E, caso falhasse, Jair Ventura estava sujeito a ver sua carreira como treinador terminar pouco depois de começar. Em resumo, o desafio era enorme e por isso seu êxito é tão espetacular. Ao mesmo tempo em que era improvável dar tão certo, talvez apenas alguém da casa, com conhecimento do elenco e do funcionamento interno, poderia fazer algo assim.

A trajetória de Jair não começava com a folha em branco. Sua experiência de Botafogo lhe agregou conhecimentos imprescindíveis para ser bem sucedido. E antes de conhecer os jogadores que tinha a mão, Ventura já conhecia as pessoas que estavam ali. Porque antes de ser atleta, dirigente ou funcionário, todos no clube são seres humanos e a relação estabelecida com eles é indispensável para o sucesso.

Talvez esse seja seu maior mérito: conquistar a todos com seu projeto. Evidentemente não fez isso prometendo títulos ou acumulando vitórias. De outra forma, mostrou que o esforço de um grupo competente pode alcançar feitos destacáveis. É impressionante o espírito construído no Botafogo. A dedicação, competitividade, compromisso e seriedade são evidentes nos grandes dias do alvinegro carioca. E, como não poderia ser diferente, isso conquistou a torcida. O botafoguense voltou a acreditar no time e a sonhar com conquistas. Isso num período que se desenhava difícil, com técnico novato e elenco sem grandes estrelas.

time botafogo

Foto: Botafogo/Facebook oficial – A união do Botafogo é chave para seu sucesso

No jogo, o Glorioso mostra que as diferenças de elenco e financeiras ficam só no papel, e no fim das contas tudo se resolve na grama. O que também está atrelado ao bom trabalho de campo de Jair Ventura, organizando seu time de acordo com o contexto. Quando assumiu o cargo, no meio do Brasileirão passado, se sustentou a partir da segurança defensiva. Sofreu apenas 10 gols, nenhum time tomou menos bolas na rede desde que ele foi efetivado. Em cima disso, pode empregar seu jogo reativo. Menos passe de lado, mais verticalidade para aproveitar as explosões de Neilton e Sassá, artilheiros da equipe no Brasileiro. Não era vistoso, mas entregava o resultado que o Botafogo e Jair precisavam no momento.

O mesmo modelo foi adotado para 2017, com as novas contratações proporcionando algumas mudanças bem-vindas. A estrutura, porém, permaneceu a mesma. O Botafogo 2017 ainda prefere não propor a partida, mas agora tem ferramentas novas para os diferentes cenários de uma partida de futebol. A existência de um modelo de jogo e a confiança em executá-lo, condicionou as ações do alvinegro no mercado. Sem tanto dinheiro pra gastar, foi buscar peças específicas para seu jogo.

Adições precisas

O Botafogo não saiu às compras em 2017. Até por limitações, foi ao mercado apenas para conseguir alguns jogadores que seriam interessantes ter no grupo. Começou com o atacante Roger, contratado ainda em 2016 após terminar seu vínculo com a Ponte Preta. Olhando de forma simplista, o camisa 9 não se encaixaria no jogo de transições rápidas proposto por Jair, já que velocidade nunca foi sua característica. Mas resumi-lo a “centroavante típico” também é diminuir demais seu jogo.

Roger sai muito da área, faz paredes para acionar seus companheiros e colabora na elaboração das jogadas. Isso facilita a circulação no campo ofensivo, algo fundamental para um time sem tantos mecanismos nos metros finais e que precisa capitalizar o pouco tempo que passa no terreno adversário. Sem falar na sua capacidade de receber e reter a bola após lançamentos longos, dando tempo para o time sair de trás e poder atacar. Mesmo não sendo um goleador da prateleira de cima, é útil e eficaz ao estilo botafoguense.

joao paulo e roger

Foto: Vítor Silva/SSPress/Botafogo – João Paulo e Roger: dupla tem se destacado no time alvinegro

Outro que chegou agregando muito ao time de Jair Ventura é João Paulo. Pode jogar pelo centro ou pelos lados, na linha de volantes ou de meias. Mais importante que a versatilidade é o bom nível que mantém em qualquer posição. Permite ao treinador move-lo dentro do campo para ajustar a equipe de acordo com as necessidades. Se tornou nome importantíssimo no elenco e tende a ganhar ainda mais protagonismo com as saídas de Camilo e Montillo.

Até mesmo a chegada de reservas, como Gilson, Guilherme e Marcos Vinícius, seguem critérios. O lateral esquerdo Gilson, embora limitado tecnicamente, tem velocidade e pode ser deslocado para a linha de meio, se tornando peça importante para as transições. Assim como Guilherme, que corre mais do que pensa, mas é capaz de tirar a equipe do seu campo com arrancadas e atacar espaços. Marcos Vinícius é um meia de potência e condução que não tinha no elenco. Jogando por dentro, se distancia mais do início dos ataques e se aproxima de Roger, aparecendo como opção no terço final.

Além dos contratados, o Botafogo está aproveitando muito bem os garotos vindos da base. Igor Rabello se firmou como titular ao lado de Carli. É um zagueiro que pressiona, ataca o homem da bola e diminui seu tempo de posse. Com isso, se provou importante nos momentos de recuo do Botafogo, já que dificulta o jogo adversário por dentro. Matheus Fernandes é mais uma agradável surpresa. Aos 19 anos, a joia de General Severiano é chamada de “veterano” pelo treinador por conta da frieza e variedade de recursos.

igor rabello

Foto: Vítor Silva/SSPress/Botafogo – Igor Rabello: promessa se firmou na defesa do Glorioso

Nenhuma dessas adições é para mudar o time de patamar, embora os jovens tenham bastante potencial. São todas adições pontuais, potencializadas pela estrutura e que cumprem com aquilo planejado pela comissão técnica. A única contratação de nível do clube para 2017, Walter Montillo, e o principal jogador da temporada passada, Camilo, deixaram o clube no meio da temporada. Teoricamente, seriam grandes perdas, mas não. A cada rodada o Botafogo prova que seu melhor jogador é o coletivo forte.

Dito tudo isso, não é difícil compreender porque o sucesso do Botafogo em 2016/2017 é importante para o futebol brasileiro. Mostra que cofre cheio não é diretamente proporcional ao rendimento do time; que é possível fazer grandes trabalhos sem investimentos extravagantes. Mostra que a gestão de pessoas é um dos aspectos mais importantes dentro do futebol; que um bom trabalho de campo é capaz de extrair muito de um jogador. Mostra que nem sempre a solução é empilhar reforços, mas saber avaliar as carências e agir precisamente.

Claro que muito disso está ligado a situação financeira do clube. Se o Botafogo estivesse nadando no dinheiro, talvez não tivesse tanto critério para contratar ou sequer daria oportunidade para Jair Ventura. Nunca saberemos. O que sabemos é que outros grandes do nosso futebol estão afundados em dívidas e seguem gastando como se a conta nunca chegasse. E não tiveram coragem, iniciativa e competência para executar algo semelhante.

Talvez o Botafogo não conquiste nada em 2017, mesmo estando bem nas três frentes. Ainda assim não manchará o belo trabalho da diretoria, comissão técnica e jogadores, que conseguiram resgatar o clube quando menos se esperava. Principalmente, estão recolocando o clube nos trilhos e devolvendo o orgulho a torcida alvinegra. A frase de Jair Ventura é precisa para ilustrar o momento: “Temos limitações financeiras, mas não limitações de entrega e de vontade”. É preciso olhar para o Botafogo e tirar algumas lições.

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