quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Século barcelonista: dez vezes campeão espanhol, clube catalão é dono de hegemonia nos anos 2000

Campeão nacional em dez oportunidades desde 2001, o Barcelona é o todo-poderoso do futebol espanhol na atualidade. O Doentes Por Futebol conversou com especialistas e ex-adversário do time para entender o motivo do domínio

“Temos um nome e todos sabem: Barça, Barça, Baaarça!”. A frase ao lado, verso do hino oficial do Futbol Club Barcelona, reflete bem o poderio do clube catalão em solo doméstico no século XXI. Afinal de contas, ninguém venceu tantas vezes o Campeonato Espanhol quanto o Barcelona de 2001 até 2019: são dez troféus, contra seis do Real Madrid, dois do Valencia e um do Atlético de Madrid. Definitivamente, o nome do clube, atualmente uma marca internacional, nunca foi tão conhecido e exaltado.

Por si só, os números chamam a atenção. Mas, para contextualizar ainda mais o leitor, uma breve volta ao passado é necessária para entender essa era tão vitoriosa. Nos anos 90, o Barcelona já tinha acenado com um domínio tão acentuado. Para muitos, o retorno de Johan Cruyff, em 1988, dessa vez para ser treinador, foi essencial para a construção de uma mentalidade vencedora. O holandês foi o responsável por afirmar a filosofia de jogo que marca a instituição desde então: futebol ofensivo, manutenção da posse de bola, toques curtos desde a defesa e o esquema tático, o famoso 4-3-3, que costumava variar para um 3-4-3, a depender do contexto. De 1991 a 1994, o Barcelona conquistou um inédito tetracampeonato, algo nunca mais repetido por nenhum outro time. Depois, com o holandês Louis van Gaal, à época tido como sucessor de Cruyff pelas conquistas com o Ajax, viria a conquistar mais duas taças, em 1998 e 1999.

O sucesso do Barcelona na última década do século XX contrasta com o que passou nos anos anteriores. De 1974 até 1991 foram somente dois títulos nacionais (em 74 e 85). Os anos 1980, aliás, apesar de terem visto contratações de alto nível como Diego Maradona, Bernd Schuster e Gary Lineker, foram marcados por uma uma grave crise institucional e uma pesada austeridade. Por mais de uma vez o Barça ficou de fora das principais competições europeias devido às campanhas ruins em La Liga. Para o presidente José Luis Nuñez, “o sucesso econômico só viria se o Barcelona fosse forte socialmente”. Até por isso, o dirigente, cuja gestão durou 22 anos (até hoje a mais longeva da história do clube), não pensou duas vezes em não renovar os contratos de muitas das estrelas do elenco para enxugar a folha salarial. Só no final da década, com a contratação supracitada de Cruyff, além da ampliação do estádio Camp Nou e o aumento contínuo do número de sócios, superando a casa dos 100 mil, que a revitalização econômica foi possível, e o superávit enfim apareceu no orçamento.

A nova era

No chamado “Barcelona moderno”, existem muitos protagonistas que balizam essa espécie de “antes e depois”. Um deles é Joan Laporta. Presidente do clube entre 2003 e 2010, o advogado e político da Catalunha assumiu em um período de “terra arrasada”. O Barça não vivia mais os tempos áureos de outrora e assistia de camarote o maior rival, Real Madrid, construir um projeto de força, batizado de “Galáticos”, com as contratações de estrelas como Zinedine Zidane, Ronaldo Fenômeno e Luis Figo, ex-Barcelona, que não pensou duas vezes em reforçar o clube da capital, naquela que é conhecida como “a maior traição de todos os tempos” para os torcedores do Barcelona. Com o slogan “Primero, o Barça” (no idioma catalão, “primer, el Barça), o programa de Laporta propôs uma ruptura total com o passado.

O presidente acreditava que fazer um Barcelona forte midiaticamente seria importante para recuperar a autoestima dos torcedores e, para isso, prometeu a contratação de um super-jogador caso fosse eleito. O nome era David Beckham, mas, benevolente, quis o destino que o inglês acertasse com o Real Madrid. A solução foi viajar até Paris e tirar Ronaldinho Gaúcho do PSG. O resto é história. Com o brasileiro como craque do time, os Blaugranas venceram seus dois primeiros campeonatos no século, em 2005 e 2006. Era a recuperação esportiva da instituição e o início da dominância.

Foto: Site Oficial do Barcelona | Joan Laporta ao lado de Ronaldinho Gaucho, na comemoração do título nacional de 2006

Mas qual o real motivo para essa hegemonia? Lionel Messi? Pep Guardiola? Filosofia de jogo? Contratações de peso? Para compreender melhor o que se passa nessa era vitoriosa dos catalães, o Doentes Por Futebol conversou com os jornalistas Marcelo Bechler, correspondente do Esporte Interativo em Barcelona, e Rafael Oliveira, além do ex-jogador Guilherme Siqueira, que atuou por Granada, Atlético de Madrid e Valencia e, portanto, sabe mais do que ninguém o que é confrontar os barcelonistas.

– Acho que passa por diferentes motivos. A atual década foi consequência da anterior, que viu a construção de um dos melhores e mais dominantes times da história do futebol. E ainda há o fator da obsessão do Real Madrid pelo título continental, especialmente por ficar 12 anos sem a Liga dos Campeões em um período em que viu o Barça conquistar três – salienta Rafael Oliveira.

Quando fala em “um dos melhores e mais dominantes time da história do futebol”, o comentarista se refere ao Barcelona de Josep Guardiola, entre 2008 e 2012. E a chegada do treinador, hoje tido como o melhor do mundo para muitos, foi sob forte incógnita. O Barça vinha de temporadas ruins e o fim da geração de Ronaldinho e Deco foi inevitável. Para substituir Frank Rijkaard, o nome número um da diretoria era o de José Mourinho. Mas o português não era consenso, até porque suas equipes se caracterizavam por serem mais conservadoras. Visando dar continuidade ao futebol ofensivo, Guardiola, que treinava o time B, foi efetivado nos profissionais. Em quatro temporadas, um tricampeonato espanhol, duas Liga dos Campeões, dois Mundial de Clubes e mais uma Copa do Rei. Mais do que os títulos, Pep recuperou um jogo ainda mais ofensivo do que de seu antecessor e baseado nos princípios de Cruyff. A expressão “tiki-taka” virou moda no mundo da bola.

– A influência do estilo de jogo foi importante na formação coletiva de uma geração que reuniu grandes individualidades. Uma coisa potencializou a outra. Messi, Xavi, Iniesta, Piqué… jogadores brilhantes que se entendiam e se encaixavam perfeitamente na ideia de jogo. Cresceram juntos ali – diz Rafael, que acredita que a “filosofia” do Real Madrid, de apostar por perfis diferentes de treinadores, foram uma consequência dessa tentativa de vencer o Barcelona no Campeonato Espanhol.

 

– O Real Madrid já tem outro perfil histórico e a radical variação de estilos passa muito pela tentativa de correr atrás do rival durante o período específico. Conseguiu responder em termos de títulos europeus, mas nem mesmo o time tricampeão da Champions chegou ao nível do Barcelona de Guardiola ou desbancou o domínio em âmbito nacional. Basta ver as conquistas de La Liga e Copa do Rei. Eu diria que o Real Madrid teve o gigante mérito de conquistar quatro Champions dentro de uma era dominada pelo Barcelona.

Para Marcelo Bechler, há um fator que é o diferencial: a competitividade dos jogadores. O jornalista, que vive o dia-a-dia do Barcelona há quatro anos e meio, destaca que manter esse padrão de excelência durante todo o ano é o que capacita o Barça a vencer o Campeonato Espanhol com tanta frequência, o contrário do Real Madrid, que, ultimamente, não tem mostrado constância em La Liga, mas consegue dar um gás a mais durante os meses de mata-mata na Liga dos Campeões.

– O Barcelona tem um domínio na década porque tem sido mais regular que o Real Madrid. E um time mais regular tem a capacidade de ganhar pontos corridos. O Barcelona ganha os times mais frágeis, mas se pegarmos as campanhas também vemos goleadas no Real Madrid, por exemplo. O Barcelona só perdeu pro Atlético de Madrid desde 2011, quando o Simeone chegou, por duas vezes, e as duas na Liga dos Campeões. E tem algo muito importante: o perfil dos jogadores. Os jogadores são muito competitivos e não perdem motivação. Olha o Real Madrid. Nos últimos anos vimos que os jogadores só se motivaram durante alguns meses do ano durante o mata-mata da Champions. O Barcelona tem um espírito vencedor maior para conseguir se manter temporada após temporada forte durante todo o ano – afirma o repórter, que acredita que manter um princípio de jogo ajuda, mas não é o fator preponderante.

– É um time que sabe o que joga. O Real Madrid muda muitas vezes. Acho que esse estilo consolidado faz com que seja um time mais confiável, fazendo com que o nível de concentração seja muito alto. Então, o DNA do Barcelona ajuda, mas também não é só esse motivo, senão o Barcelona no início dos anos 2000 teria ganhado muito mais. Claro que se a gente pegar desde a chegada do Cruyff, quando esse estilo foi consolidado, o Barcelona, de fato, tem mais títulos que o Real Madrid. Mas isso seria mais amplo. Acho que passa pelo estilo do time, pelas mudanças do Real Madrid, que entrou mais em convulsão do que o Barça nesse período e por outras coisas. Mas ainda acredito que a mentalidade vencedora permite o time conquistar o que não tinha conseguido: vencer oito de 11 títulos nacionais.

E O BARCELONA PÓS-MESSI?

Foto: Site Oficial do Barcelona | Em 2014, após marcar três gols contra o Sevilla, Lionel Messi se tornou o maior artilheiro da história do Campeonato Espanhol

Não é de hoje que vemos muitos fãs de futebol indagando: como será o futuro do Barcelona após a aposentadoria de Lionel Messi? O argentino já declarou variadas vezes que não tem o desejo de jogar em outro lugar, nem mesmo na Argentina. O maior jogador da história do clube participou de todos os títulos nacionais do Barça no século. A primeira temporada como profissional do camisa 10 coincidiu com o primeiro troféu espanhol desde 1999. Aos 17 anos, participou pouco da campanha, visto que era jogador do time B. Mas o suficiente para marcar seu primeiro gol, no famoso jogo contra o Albacete, na 35ª rodada, quando recebeu passe de Ronaldinho Gaúcho e tocou por cima do goleiro rival. Na comemoração, subiu nas costas do brasileiro, numa espécie de “apresentação” ao Camp Nou.

14 anos depois, além dos dez títulos nacionais, Messi também tem quatro Liga dos Campeões, três Mundial de Clubes, seis Copa do Rei e três Supercopa da Europa. Individualmente, é o maior artilheiro da história do Barcelona, o maior artilheiro da história do Campeonato Espanhol, maior vencedor da Chuteira de Ouro da Uefa, maior artilheiro da cinco principais ligas da Europa, maior artilheiro do Superclássico da Espanha (Barcelona x Real Madrid), maior artilheiro do dérbi da Catalunha (Barcelona x Espanyol), jogador com mais títulos conquistados por um único clube do país (35 títulos) e muito mais. O que não falta são recordes na carreira de Messi. Para infelicidade do torcedor culé, o argentino não é eterno. E um futuro sem o canhoto a cada ano se aproxima.

– Durante alguns anos, existiu a ilusão de que o Barcelona estava pronto para repor qualquer peça. O nível atingido foi tão alto que qualquer um entrava e saía, sem mudar o padrão de jogo ou o nível competitivo. Mas o impacto das saídas de Xavi e Iniesta já foi sentido nos últimos anos. Foram referências históricas e nomes insubstituíveis. Messi, ainda mais. E as últimas temporadas já evidenciam um Barça menos brilhante, pouco convincente, mais distante daquele modelo idealizado e cada vez mais dependente da capacidade de decisão do argentino. Naturalmente sentirá, e o desafio será grande, pois o mundo se acostumou com o anormal – declara Rafael.

Messi faz parte da famosa “Geração 1987” de “La Masía”, termo utilizado para se referir à academia de divisão de base do Barcelona. Ao lado de Gerard Piqué e Cesc Fàbregas, que hoje atua pelo Monaco, o trio fez história nas competições juvenis na Espanha e chegou a ficar cinco anos invicto. Piqué, inclusive, afirmou uma vez que “os treinamentos eram mais competitivos do que as partidas”. Bechler relembra que a aposentadoria do argentino irá acontecer junto de outras peças-chaves do atual elenco barcelonista: o time-base do Barcelona na atualidade é formado por jogadores com a faixa de idade de Messi (31).

– O pior é que a queda do Messi vai coincidir com uma mudança de ciclo total no Barcelona. Messi, Piqué e Suárez já têm 32; Rakitic, Busquets e Alba também têm mais de 30. Então, não é simplesmente a aposentadoria do Messi. Vai ser uma revolução de um time que entrou em campo contra o Liverpool com sete jogadores acima de 30 anos. Imagina: mudar todo o time e o melhor jogador do time, onde você baseia tudo que passa dentro de campo na última década, não vai estar mais ali? Vai ser uma mudança grande e muito difícil pro Barcelona – lembra o jornalista do Esporte Interativo, que garante que essa questão já está sendo discutida entre a torcida culé.

– É complicado. Aqui todo mundo prevê que não serão anos fáceis com a saída do Messi. Até porque, repito, não será somente o Messi: é um “time inteiro” que irá se aposentar. Olha o que aconteceu com o Real Madrid sem o Cristiano Ronaldo: uma temporada desastrosa, a pior nos últimos 17 anos. E Barcelona e Real Madrid não têm o direito de tirar “ano sabático” porque são clubes que são pressionados para ter resultados, títulos, devido às questões financeiras (faturamento, receita, marketing). Não dá para sair o Messi e passar por um período sem grandes jogadores, sem títulos, porque o futebol hoje não permite isso. Outro exemplo é o Manchester United, que nunca mais foi a mesma coisa após a saída do Alex Ferguson e até hoje não conseguiu se reerguer.

ENFRENTANDO O BARCELONA

Foto: Site Oficial da UEFA | Guilherme Siqueira enfrentando o Barcelona pelo Valencia. O lateral também teve passagens por Granada e Atlético de Madrid, no futebol espanhol.

Guilherme Siqueira ficou sete anos na Espanha. Entre a passagem pelo Granada, em 2010, e o Valencia, em 2017, o natural de Florianópolis atuou também pelo Atlético de Madrid, treinado por Diego Simeone, um dos poucos treinadores a bater o Barcelona no Campeonato Espanhol, com o título em 2014. Para o ex-lateral esquerdo, que teve que se aposentar devido às fortes dores no tornozelo, foi justamente no time azul e vermelho da capital que houve a possibilidade de conviver, semanalmente, a carga emocional e competitiva de disputar ponto a ponto a ponta da tabela com o Barça.

– Eu, particularmente, gostava muito desse tipo de jogo. É inegável que é um jogo diferente. Todo mundo quer ganhar do Barcelona e Real Madrid. São equipes do primeiro escalão do futebol mundial. No Granada sabíamos que seria sempre um jogo complicado, mas pelo Valencia e Atlético de Madrid, principalmente, sempre entrávamos com o pensamento que realmente podíamos ganhar. Não existe mais time imbatível no futebol.

Confira o bate-papo com Guilherme Siqueira:

Doentes por Futebol: E você chegou ao Atlético de Madrid uma temporada após o título espanhol do clube. Foi titular durante um bom período com o Simeone. Publicamente, o Simeone sempre dizia que era um feito muito difícil de ser repetido. Mas como era no dia-a-dia? Ele passava um outro tipo de mensagem pro elenco? Naquela época, o Atlético de Madrid disputou até um certo período da temporada as primeiras posições com a dupla Real e Barcelona.
Guilherme Siqueira: O discurso era sempre de buscar o título. O Atlético, na era Simeone, alcançou um patamar que iniciava a Liga entre os candidatos ao título. Não é mais só Real e Barcelona. Todos sabem que o Atlético, no mínimo, vai incomodar bastante.

DPF: Voltando ao Granada, como foi a sensação de marcar dois gols contra o Barcelona e no Camp Nou?
GS: Indescritível. Até porque tem uma história bacana com esses gols. Quando eu jogava futsal, ainda criança, fomos disputar um torneio em Barcelona onde fomos campeões. Depois assistimos um jogo do Barça atrás daquele gol e eu ficava me imaginando um dia jogar naquele estádio. Quando fui para o primeiro pênalti passou um filme na minha cabeça. No segundo já estava mais relaxado e, inclusive, arisquei uma cavadinha no Váldes.

DPF: E depois você também marcou pelo Valencia, também no Camp Nou, e num jogo que seu time saiu de campo vitorioso.
GF: Esse gol também foi importante, mas num momento diferente da carreira, já consolidado como um jogador de time de ponta. Tive a felicidade de marcar mais uma vez no Camp Nou e ajudar o Valência num momento delicado da competição.
DPF: Acredita em um declínio do Barcelona após a aposentadoria de Lionel Messi?
GF: Acredito que haverá uma mudança significativa. Igual o Messi não vai existir, mas com certeza eles vão contratar alguém que seguirá fazendo com que o time seja uma potencial mundial, além de vários bons jogadores que a base deles revela.

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