terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Por que a troca de treinadores é, também, uma jogada política da atual administração do Barcelona

Ernesto Valverde não é mais o treinador do Barcelona. Após a eliminação na Supercopa da Espanha para o Atlético de Madrid, a diretoria do Barcelona resolveu interromper o serviço do profissional, bi-campeão espanhol e, até então, líder da atual edição. Quis o destino que a demissão viesse justamente depois de uma partida que, se colocada numa espécie de hierarquia entre os torneios que o Barça disputa, pouco deveria “importar”, sobretudo porque sequer deveria ser realizada, não fosse pela mudança de regulamento que permitisse a participação de Atlético e Real Madrid. No entanto, a sentença só mostra o quão atrasada ela veio, especialmente pelo fim de temporada no mínimo no anti-clímax em 2018/2019, com queda na semifinal da Liga dos Campeões da UEFA para o Liverpool e na final da Copa do Rei para o Valencia. Mesmo com a manutenção do título espanhol, conquistado sem riscos, a impressão era de trabalho saturado.

Porém, Valverde ganhou nova oportunidade, balizada sob o aval do elenco, com quem tinha bom relacionamento (gestão de grupo esta que é um de seus trunfos na carreira) e fazia questão de sair em sua defesa. Recebeu reforços importantes de Antoine Griezmann e Frenkie De Jong, mas a equipe seguiu se evoluir o esperado, o que só aumentou a sensação de projeto levado no piloto automático pela capacidade individual dos jogadores. Nem mesmo o domínio em âmbito doméstico pôde ser visto com solidez: apesar da liderança (dividida com o Real Madrid), os tropeços no Campeonato Espanhol foram frequentes no primeiro turno. A derrota na Arábia para o Atlético foi o estopim de uma bolha construída há tempos, precisamente em Roma, em seu ano de estreia, na humilhante eliminação para a Roma nas quartas de final da Champions 2017/2018.

Nem tudo foi desastroso na passagem de Valverde. Para o cenário que encontrou, o primeiro ano, no geral, foi mais positivo do que negativo. A saída de Neymar foi contornada com um esquema (4-4-2) que privilegiasse a capacidade de finalização de Messi, e o encaixe de um quarto meio-campista na direita (Deniz Suárez, Andre Gomes, Sergi Roberto e, na maioria das vezes, Paulinho), somada ao recuo de Rakitic para se juntar a Busquets como volante, representaram equilíbrio e consistência, ratificada com os resultados a curto-prazo para a disputa nos pontos corridos. A pesada derrota na Supercopa para o bi-campeão europeu Real Madrid, que naquele momento passava sensação de superioridade jamais vista na Era Messi, foi driblada quatro meses depois, quando o Barça de Valverde, no Bernabéu, derrotou o Real de Cristiano Ronaldo e Zidane por 3 a 0, no fim de dezembro.

Mentalmente, a vitória configurou o início do melhor período futebolístico (leia-se: bola jogada) de Valverde em pouco menos de três anos que ficou em Barcelona. Logo em seguida, já em janeiro de 2018, vieram os fortes triunfos contra Real Sociedad e Bétis, ambos fora de casa, em duas demonstrações de força implacáveis, além das consecutivas eliminatórias de Copa do Rei contra Celta de Vigo, Espanyol e Valencia. Essa primeira etapa na elaboração do time foi concluída com sucesso, mas parou por aí. Faltou sensibilidade (e não tempo) para mudar o “chip” e sair da osmose que tomou conta do trabalho.

Foto: Reprodução Instagram do Barcelona | O Barça campeão espanhol em 2017/2018 teve dedo de Valverde.

A saída de Valverde simboliza o fim de todos os problemas do Barcelona? Definitivamente, não. O natural de Viandar de La Vera pecou pela incapacidade de solucionar defeitos táticos, mas ele é só a ponta do iceberg. Institucionalmente, o clube parece fora do eixo. A insistência megalomaníaca na contratação de Neymar no mercado de transferências do verão europeu, depois de fechar com Griezmann e o plantel recheado de carências (a lateral direita e reservas para Busquets e Suárez deveriam ser prioridades) maiores do que o retorno do brasileiro poderia consertar, é uma evidência. Ademais, a tentativa desesperada de acertar com um treinador com “dna barcelonista” demonstra o quão sedenta por recuperar prestígio está a gestão de Josep Maria Bartomeu, ainda mais a um ano das eleições e com a alta notoriedade da oposição (com Víctor Font, da plataforma “Sí al futur”, e Joan Laporta, histórico presidente do clube e que promete vir a candidato). Primeiro Xavi, que recusou treinar o Barça no momento. Depois, o anúncio de Quique Setien, treinador que diz ter “inspiração nos métodos cruyffista”.

Eleito em 2015, Bartomeu, vice-presidente de Sandro Rosell entre 2010 e 2014, tem sido atribuído por sócios e torcedores como responsável por afastar o Barcelona daquilo que o transformou em uma marca poderosa e vitoriosa: a filosofia. E isso não tem a ver somente com as quatro linhas e como os Blaugranas jogam, mas também por atitudes fora de campo, com parcerias e acordos financeiros no mínimo duvidoso para o que o clube apresenta como “valores”. Além disso, a base, refletida na imagem da famosa La Masia, tem sido escanteada ano após ano. O time B, que sempre cedeu nomes de utilidade aos profissionais e chegou a fazer campanhas de ouro na segunda divisão recentemente, está na Segunda B (a terceira divisão), e Ansu Fati e Carles Pérez, os jovens que aparecem no time A, foram mais “obra do acaso” do que frutos de etapas que os levassem até o status atual – Ansu, diga-sem, tem 17 anos.

A negligência no trato com a “filosofia” culé é um dos pontos de controvérsia da administração de Bartomeu. É por isso que só agora houve a correria para acertar com alguém que combine mais no cargo técnico com o clube, mesmo com a temporada em andamento. Setien chega à Catalunha como aposta, menos treinador e com menos trabalhos consolidados e aprovados que Valverde, mas, já de cara, com maior identificação com as peculiaridades do mundo barcelonista. Víctor Font, quando o Barça conversava com Xavi, acusou a direção de “falta de planejamento e desrespeito com os envolvidos”, incluindo Valverde, que teve demissão mal conduzida pelos dirigentes. Com bom relacionamento com lendas do Barcelona como Puyol e Xavi, Font é, hoje, o candidato da oposição mais bem visto, até pelo discurso e por se apresentar como “fato novo”. Em seu twitter, principal fonte de comunicação com os torcedores, exalta as bases do “estilo” cruyffista e guardiolista e a região catalã.

O que esperar do Barça de Setien? Baseando-se no que foram seu Las Palmas e o Bétis, um caminho a ser percorrido diferente da “simplicidade” de Valverde. Da linha de quatro tradicional nas Ilhas Canárias ao sistema com três zagueiros na Andaluzia, Setien preza por ter uma saída de bola bem trabalhada para chegar ao ataque. Não à toa, na histórica vitória do Bétis contra o Barcelona no Camp Nou no último campeonato por 4 a 3, qualquer tentativa de avançar a marcação do Barça era facilmente batida pelas trocas de passes a partir do goleiro bético. A posse de bola é mantida de forma paciente, até para evitar perdê-la e dar contra-ataques aos adversários, grande problema que os times de Setien enfrentam. A linha defensiva, sempre alta para ganhar em compactação no campo ofensivo e fazer a pressão, pode ser uma barreira para o cantabriano no Camp Nou, já que, recentemente, o Barcelona tem sofrido na transição defensiva.

Tanto no Las Palmas, quanto no Bétis, Setien alcançou o ápice unindo competitividade à posse de bola, com várias partidas marcantes (o 4 a 2 no Mestalla contra o Valencia e o 3 a 3 contra o Real Madrid no Bernabéu pelo Las Palmas; 5 a 3 no Pizjuán contra o Sevilla, 1 a 0 contra o Real Madrid no Bernabéu e 4 a 3 contra o Barcelona no Camp Nou). Como fator negativo, essa excelência teve prazo de validade curto. Principalmente no Bétis, com elenco reforçado na segunda temporada, o esperado passo à frente não veio e a equipe que começou o ano sonhando com vaga na Liga dos Campeões nem para a Liga Europa conseguiu. A ausência de um goleador confiável deixou os verdiblancos por vezes previsíveis e com a posse de bola estéril, dependente das ações de Firpo e Lo Celso. No Barcelona, a primeira dor de cabeça será conviver com a falta desse 9, já que Suárez estará fora pelos próximos quatro meses devido a uma cirurgia no joelho.

Em Barcelona, diz muito como você ganha. Prova disso é a pouca simpatia que Valverde conquistou mesmo com dois títulos nacionais. Frank Rijkaard, por exemplo, de fim de ciclo tão ruim ou até pior, é mais celebrado pela forma como seu time jogava. Ou Tito Vilanova, que, assim como Valverde, também caiu na Champions de forma humilhante, com direito a 7 a 0 para o Bayern de Munique, mas terminou a temporada exaltado pelo triunfo doméstico. Van Gaal, outro bi-campeão espanhol que fracassou na Europa e saiu eliminado goleado pelo Valencia em 1999/2000, é outro nome mais exaltado que Valverde. É por isso que tudo leva a crer que Setien terá maior simpatia das arquibancadas que seu antecessor. A ver como termina a relação.

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