quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O coração incerto

Normalmente somos torcedores por 2 motivos:  O primeiro é  a herança consanguínea.  Um pai, uma mãe, avós, irmãos, tios, amigos… O time de futebol, o esporte emulador da vida, surge como síntese passional da sua consanguinidade. E a tendência é a paixão aumentar com o passar dos anos, pois as pessoas se vão e o clube permanece eterno. Acredito que seja por isso que as pessoas sejam capazes de cometer loucuras, para o bem e para o mal, por seu time. Um sólido processo de transferência. Já não é mais o jogo. O time pulsa em hereditariedades e tradições.

O segundo motivo é a ilusória sensação de controle e interferência direta no andar do jogo. Somos torcedores porque acreditamos, quase que religiosamente, que fazemos diferença, interferimos e ganhamos partidas. Torcemos para participar, por isso amargamos as maiores decepções, indignações, insônia, tristeza, quando o jogo esfrega na nossa cara que antes de sermos torcedores, somos espectadores. Se não controlamos a vida, como controlar o futebol? Se emanamos algum tipo de energia, os vetores são quem participa diretamente do espetáculo: jogadores, comissão técnica, dirigentes, arbitragem, funcionários, jornalistas… Às vezes esquecemos que os vetores são tão humanos quanto nós.

Quando acordei e vi o noticiário, passados o horror e a perplexidade, eu pensei inevitavelmente no meu time. Não me condenem. Como um pai que descobre que vizinho perdeu um filho e estremece por dentro pensando: “e se fosse o meu filho?” Justo o meu time que tanto viajou pelos 4 cantos do Brasil neste ingrato 2016…O que a consaguinidade não faz?

Quem vive o futebol sabe que o time é parte sua. Sente o futebol. Digo isso porque o primeiro terror que senti com o desastre que vitimou o voo da Chapecoense foi como torcedor. Eu posso imaginar como torcedor. O que os familiares e amigos das vítimas estão passando eu não tenho a coragem e a capacidade de imaginar. Só posso pensar em algo terrível. Tão terrível que é capaz de quebrar o laço consanguíneo do jogo e fazer com que toda e qualquer pessoa se sensibilize.

Então eu me lembrei de como o Cléber Santana ajudou o Flamengo em 2012, de quantas vezes eu repreendi o Marcelo por ceder escanteios ao adversário, de como olhei com desconfiança a contratação do Arthur Maia e sorri ao saber que ele se dizia realizado só por ter jogado no seu clube de coração. Se eles são vetores da energia que emanamos, nós descobrimos que nosso time também estava ali. Não foi o “filho do vizinho”. A foto do Vitorino Chermont, jornalista, com seu filho no estádio, só corrobora algo terrível: Poderia ter sido com qualquer um, em qualquer contexto. Não temos controle sobre absolutamente nada. O fato de ter sido com pessoas envolvidas com o futebol só nos aproximou do terror da tragédia.

Espero que a Chapecoense permaneça. Para sempre.

 

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