quarta-feira, 31 de maio de 2017

O Sampaoli da Europa

Jorge Sampaoli chegou à Europa à sombra da revolução que fez ao lado do seu mestre Marcelo Bielsa no futebol chileno. Com essência guardiolista, Sampa mesclou os estilos que tem como referência com seu particular jeito de enxergar futebol e mudou as bases de um país estigmatizado como perdedor no esporte. Primeiro, construiu uma das equipes mais versáteis dos últimos tempos na América do Sul. Sua Universidad do Chile se caracterizava por um dinamismo e uma volúpia ofensiva tão alta que, por vezes, fora apelidada de “Barcelona das Américas”. Tri-campeão chileno, ganhou a Copa Sul-Americana de 2011, mas bateu na trave na Libertadores em 2012, quando foi parado pelo Boca Juniors de Riquelme nas semifinais na La Bombonera. Logo depois, o seu maior feito: dar continuidade ao trabalho iniciado por El Loco no Chile. Com uma geração virtuosa, com jogadores como Cláudio Bravo, Gery Medel, Jorge Valdívia, Arturo Vidal e Alexis Sánchez, Sampaoli fez do Chile uma seleção bem definida quanto à identidade.

Por isso chegou ao Sevilla com muita expectativa por parte dos torcedores. Geralmente, quando um clube europeu contrata um treinador advindo do futebol sul-americano, não há muito o que comentar porque o conhecimento é pouco. Exemplos não faltam: pra ficarmos na Espanha, Manuel Pellegrini chegou ao Villarreal em 2004 apenas como “promessa”, tal qual Diego Simeone no Atlético de Madrid em 2012 ou Berizzo no Celta de Vigo em 2014. Mas Sampaoli, pra toda Espanha, “era o técnico que tirou um título de Messi”. Mais: “o treinador responsável por eliminar a Espanha de Del Bosque de uma Copa do Mundo”. Todos conheciam. E Monchi não duvidou em contratá-lo: queria levar um pouco da filosofia que predominava na Espanha a um ambiente historicamente acostumado a um jogo mais militar e físico (não confundir com conservador).

Mas a verdade é que houve um ponto em que Sampaoli constatou que não seria possível levar 100% do seu DNA pro Ramón Sánchez Pizjuán. Não por pressão de uma torcida que, nas últimas três temporadas, havia comemorado um inédito tri-campeonato da Liga Europa com Unai Emery, treinador com natureza totalmente diferente do argentino. E sim porque o legado de Unai, refletido em 80% do elenco, precisava ser respeitado e, de uma forma ou outra, acabaria por condicionar a gestão de Sampaoli. Assim, seu primeiro Sevilla foi difícil de compreender. Sampa buscou um 4-3-1-2 que variava para um 4-1-4-1 em que os dois laterais (Vitolo e Mariano) tinham comportamentos de pontas, deixando a parte defensiva para os dois zagueiros e o primeiro volante N’Zonzi. Não bastasse isso, os primeiros meias escolhidos também desempenhavam funções mais relacionadas a gerar ocasiões do que controlar o jogo com ou sem a bola, casos de Sarabia e Kiyotake. Por momentos, foi como se o Sevilla jogasse num 3-0-7: toda a zona central esvaziada e quase sete jogadores à frente da linha da bola. E aí vimos partidas malucas como Sevilla 6×4 Espanyol, Leganés 2×3 Sevilla e Deportivo 2×3 Sevilla.

O tempo acabou sendo amigo de Sampaoli neste caso. Como era um treinador com traços diferentes aos anteriores e, de uma forma ou outra, os resultados eram favoráveis mesmo com o mau futebol, houve paciência e quase nenhuma crítica para que, gradativamente, o comandante pudesse ir entendendo seu plantel. Dessa forma, a humildade para se adaptar até “surpreendeu”. E muito dessa adaptação nasceu na Liga dos Campeões. Logo na estreia contra a Juventus em Turim, um 0x0 que gerou reflexão. Foi um Sampaoli que aceitou ceder protagonismo, igualou no físico e sempre colocou um maior número de jogadores atrás da bola. Suficiente para desenvolver o segundo Sevilla, já diferente tanto taticamente, quanto no onze inicial: três defensores e um pletórico Nasri.

Foto: Site Oficial da Uefa | Steven N’Zonzi sempre de olho na bola: crescimento do francês foi impulsionado pelo comando de Sampaoli

O 5-2-2-2 ganhou vida num dérbi contra o Bétis (vencido pelo Sevilla pelo placar de 1×0) e foi ratificado no duelo contra o Atlético de Cholo, também vencido pelos andaluzes pelo placar de 1×0. Sampaoli tinha muitos problemas para sair jogando limpamente de trás e as deveras peças adiantadas sobrecarregava N’Zonzi; então a opção foi dar um suporte consistente ao ótimo volante francês com Mercado, Rami e Pareja. Com N’Zonzi protegido, o passo seguinte foi “liberar” Nasri. Jorgito fez com que, com bola, Franco Vazquez e Vitolo abrissem suas posições oxigenando os últimos três metros para Samir. O camisa 10 poderia tanto se unir a N’Zonzi no círculo central e fazer fluir o jogo sevillista, quanto conduzir a bola até Correa gerando perigo. Foram meses de um Nasri exibindo um nível semanal fantástico, individual e coletivamente.

E foi mais precisamente a fase do Pequeno Príncipe que criou a ilusão de que Sampaoli percorria o caminho certo. De outubro até janeiro, o Sevilla sofreu somente três derrotas na Liga Espanhola. No meio do caminho, acabou com invencibilidade de 41 partidas sem perder do Real Madrid de Zidane, também venceu a Real Sociedad por 4×0 no Anoeta quando este vivia seu melhor momento na temporada, além de vitórias convincentes contra Celta Vigo (0x3 na Galícia) e Málaga (4×1 no Pizjuán). Dominou o Barcelona por 45 minutos, mas não foi capaz de superar um Messi inspirado, que permitiu os culés virarem para 2×1. Chegou a acreditar que poderia brigar pelo título, já que alcançou a segunda colocação (à frente do Barça), com um ponto a menos que o Real Madrid.

Sampaoli teve méritos, claro. A capacidade para ler um encontro e detectar problemas esteve intacta. Não à toa, cansou de conquistar três pontos especificamente por causa das suas famosas “direções de campo”, quando um técnico modifica o destino de uma partida alterando-a com posições e funções (Vitolo por dentro e Nasri de 10) ou com substituições (Sarabia e Iborra; ou pinceladas de Ganso – principalmente na reta final –  e Ben Yedder). Mas a dinâmica começou a mudar negativamente. Recebeu no inverno Jovetic, soube explorar bem suas qualidades, mas não encarregou de fazê-lo uma peça que impactasse tanto no global. É verdade que o montenegrino teve sim excelentes momentos, mas a sensação final é a mesma que contempla toda sua carreira: irregularidade.

Foto: Site Oficial do Sevilla | Com personalidade, o jovem Joaquin Correa foi ao resgate do Sevilla durante a má fase. Natural de Tucumán, certamente fará parte do ciclo de Sampaoli na Seleção Argentina – está convocado para enfrentar Brasil e Cingapura

Até a bomba explodir. Mentalmente, cair da forma como caiu nas oitavas-de-finais da Liga dos Campeões foi muito duro. Futebolisticamente, o ritmo do Sevilla envolveu o Leicester no jogo da ida, mas aquele gol marcado por Vardy e o fato de que a volta seria disputado somente três semanas depois deu outra cara à eliminatória. Dito e feito: 2×0 aos ingleses na Inglaterra e Sevilla eliminado. O estopim para uma crise que, não fosse a incompetência dos adversários, poderia colocar em xeque a participação na próxima Liga dos Campeões. De uma hora para a outra, a maré de sorte do Sevilla mudou de lado e o time abocanhou cinco jogos sem vencer. Foi ultrapassado pelo Atlético de Madrid e terminou La Liga na quarta colocação. Passar por um momento de crise é normal para qualquer equipe, inclusive Real Madrid e Barcelona; mas faltou sensibilidade para Sampaoli contornar o momento ruim criando uma estrutura que permitisse ao Sevilla segurar resultados. Quando a fase negra foi instalada, veio a conclusão: os meses de bom futebol aconteceram mais por causa da capacidade individual de jogadores como N’Zonzi, Escudero, Mariano, Vitolo, Correa e especialmente Nasri e da garra que o elenco exibia disputando cada encontro como se fosse uma final de Champions do que basicamente pelos métodos de Sampaoli.

Dá para interpretar a primeira temporada de Sampaoli na Europa de duas formas. 1) para um primeiro ano de projeto, os resultados (bom mencionar essa palavra) foram satisfatórios. Passou de fase na Liga dos Campeões, diferentemente do último ano de Unai quando havia caído na fase de grupos, e terminou o Campeonato Espanhol entre os quatro primeiros colocados, o que não acontecia no Sevilla desde 2009. Venceu Real Madrid e Atlético de Madrid e dominou o Barcelona. Potenciou os nomes citados no parágrafo acima (sobretudo o de N’Zonzi, que sempre foi mal interpretado por Unai Emery, que o via como um segundo volante físico e roubador, substituto de Mbia; Sampa o deu funções com a bola que o fez explodir); 2) mas acontece que quem contrata Sampaoli, não o contrata somente para ter bons resultados. Quem o contrata, busca um algo a mais. Um jogo mais divertido, guardiolista. O Sampaoli que se adaptou à Europa para alcançar tais resultados positivos buscou conceitos mais pragmáticos. O argentino nunca falou sobre, porém talvez a ideia fosse concluir o primeiro objetivo e desenhar uma segunda temporada onde estaria mais ambientado ao elenco, à história do clube e à Liga Espanhola. Algo que será impossível de sabermos partindo do próprio Sampaoli, visto que ele deixará de treinar o Sevilla para realizar o sonho de treinar Lionel Messi na Argentina. Mas que poderemos ter uma noção, já que Berizzo, técnico da estirpe de Jorgito, comandará os andaluzes. E isso só acontecerá porque, apesar de tudo, Sampaoli conseguiu um voto de confiança da diretoria sevillista. Assim, os dirigentes aceitaram o desafio de dar prosseguimento ao bielsismo com mais um bielsista no Ramon Sánchez Pizjuán. Sampaoli começou o trabalho e agora Berizzo dará sequência. A ver.

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