terça-feira, 3 de dezembro de 2019

As virtudes dos técnicos ingleses que transformam seus clubes

Nunca um técnico inglês ganhou a Premier League. O último a conquistar a primeira divisão no país foi Howard Wilkinson, pelo Leeds United, em 1991-92, justamente a temporada que antecedeu a remodelação da principal liga nacional. É quase simbólico, mesmo que as duas décadas seguintes tenham sido em boa parte dominadas por um britânico, o escocês Sir Alex Ferguson. É como se os treinadores ingleses e seus métodos não fossem mais adequados para as novas exigências de um campeonato em processo de globalização.

De vários anos para cá, em linhas gerais os treinadores ingleses foram relegados a tarefas menos importantes do que a disputa pelo título. Eram geralmente chamados por clubes que buscavam se estabilizar na Premier League ou mesmo lutar contra a queda com mais urgência. Ainda é um pouco assim, mas a dinâmica claramente está mudando. Não apenas porque Frank Lampard, no Chelsea, tem a chance de brigar por posições mais nobres nos próximos anos, mas o perfil dos técnicos já não é mais o mesmo. Uma indicação evidente disso é o número de ingleses na elite: agora são oito, o dobro da média nos últimos anos.

Foto: reprodução – Howard Wilkinson foi o último técnico inglês a vencer a Premier League

Ainda estão lá Roy Hodgson, Sean Dyche e Steve Bruce, nomes muito associados ao antigo estereótipo dos comandantes ingleses: figuras não muito carismáticas, com um ideário mais conservador, cujo objetivo é essencialmente montar equipes sólidas para mantê-las na elite. Cada um com suas particularidades, todos os três têm feito trabalhos dignos em 2019-20 (Hodgson no Crystal Palace e Dyche no Burnley já há muitas temporadas). Por mais que sejam muito justas as ressalvas a Bruce, inicialmente tão rejeitado pelos torcedores do Newcastle, e ao modelo que desfavorece muito os jogadores mais talentosos, seus resultados até agora são respeitáveis, mesmo que as perspectivas para o longo prazo não sejam boas.

Mas eles são o que são, técnicos não considerados ideais para projetos mais ambiciosos. Outros quatro ingleses chamam muito mais atenção pela maneira como tornaram suas equipes competitivas na Premier League e pela influência que são capazes de exercer no crescimento dos clubes ao longo de anos de trabalho. Lampard e mesmo o técnico da seleção, Gareth Southgate, também estão no grupo dos que podem reescrever a história dos treinadores locais. Mas vamos tratar dos outros quatro da primeira divisão, de carreira mais longa,  líderes transformadores que podem chegar ao topo nos próximos anos, seja conduzindo seus clubes até lá ou atraindo interesse de equipes maiores:

Eddie Howe, do Bournemouth

Em abril de 2015, aos 37 anos, Eddie Howe ganhou o prêmio de técnico da década na Football League, responsável pela segunda, terceira e quarta divisões do país. O homem que em duas passagens transformou o Bournemouth, um clube que há dez anos tentava permanecer na quarta divisão, num time estável da Premier League merece os elogios que recebe há bastante tempo no país. Por algum tempo, aliás, ele foi a exceção entre os técnicos ingleses, apontado como o único que talvez pudesse treinar uma equipe grande. Hoje ele tem companhias.

O interessante é que, ressalvadas as adaptações em partidas contra times maiores, sua proposta costuma ser bastante agressiva, com um sistema similar ao que Rogério Ceni adota com muito sucesso no Fortaleza: dois meio-campistas que oferecem sustentação (atualmente, com mais frequência, Lerma e Billing), dois wingers/pontas muito influentes no ataque (Fraser, por exemplo, deu 14 assistências na temporada passada) e dois atacantes (geralmente Callum Wilson e Joshua King, embora este às vezes seja escalado como ponta). Confiando em jogadores britânicos, Howe costuma entregar a sonhada estabilidade por meio de vitórias contra concorrentes diretos e bom aproveitamento em casa.

Chris Wilder, do Sheffield United

Com todo respeito e admiração ao que nesta temporada fazem Jürgen Klopp e Brendan Rodgers, já muito elogiados neste espaço, o trabalho mais impressionante do primeiro terço da Premier League em 2019-20 é o de Chris Wilder. Atualmente em seu clube de coração, o Sheffield United, o treinador que em quase duas décadas de carreira passou por cinco clubes e boa parte da pirâmide do futebol inglês tem uma personalidade intrigante. O jeito meio sisudo, associado a um tratamento bastante direto dos jogadores (quando o goleiro Dean Henderson falhou contra o Liverpool, disse que “não passaria a mão na cabeça e que ele precisa fazer melhor”), às vezes distancia sua imagem do que ele realmente é: um técnico extremamente criativo que em poucos anos trouxe o time do fundo do poço da terceira divisão para os holofotes de sensação da Premier League.

Seu United manteve a base da segunda divisão e joga num sistema em que dois dos três zagueiros ultrapassam o tempo todo para oferecer mais opções à frente, um dos atacantes volta muito para armar o time (é só observar a movimentação de McGoldrick) e os meias Fleck e Lundstram sempre chegam à área com muito perigo para finalizar. O time, recém-promovido, o menos rico e teoricamente o menos talentoso da liga, ainda não perdeu fora de casa, está na sétima posição e impôs grandes dificuldades a todas as equipes que enfrentou. É incrível também o crescimento do nível individual de alguns jogadores no contexto coletivo. Por exemplo, Lys Mousset, um achado de Howe no Bournemouth, mas que havia marcado apenas três gols em 58 jogos no antigo clube, já fez cinco em 11 sob o comando de Wilder.

Dean Smith, do Aston Villa

Smith é outro técnico que está no time de coração. Embora o Villa tenha na memória recente participações interessantes na Premier League e uma história bastante vitoriosa, o clube também precisava ser transformado. Após ótimo trabalho no Brentford, onde já havia se notabilizado por um jogo mais propositivo, ele assumiu o Villa na 14ª posição da segunda divisão em outubro do ano passado. Quebrou o recorde de vitórias consecutivas do clube (dez), foi aos play-offs e derrotou o Derby County de Frank Lampard em Wembley para chegar à elite.

Na Premier League, Smith liderou uma estratégia ousada, apesar do grande investimento: trocar mais da metade do time titular, reconhecendo que era necessário um salto de qualidade, mesmo depois da tentativa frustrada e bastante semelhante que o Fulham fez há um ano. No entanto, a impressão é de que o processo do Villa foi mais criterioso, identificando perfeitamente as peças que poderiam continuar como protagonistas (sobretudo Mings, que estava emprestado pelo Bournemouth e foi comprado, McGinn e o capitão Grealish, que fazem excelente temporada). Em pouco tempo, o Villa, mesmo na 15ª posição, já é um time bastante agradável, consegue enfrentar em boas condições as equipes mais poderosas e não dá indícios de que vai sofrer para ficar na elite. Na semana passada, sua renovação de contrato até 2023 foi muito comemorada pelos torcedores.

Graham Potter, do Brighton

Nos oito primeiros anos da carreira como treinador, foram três promoções (levando o time da quarta à primeira divisão), um título da Copa da Suécia e uma campanha incrível na Europa League com o Östersund. Na temporada passada, um trabalho no Swansea que chamou atenção até de Marcelo Bielsea na segunda divisão, sempre com a proposta de ser protagonista. Sua primeira experiência na Premier League já é um sucesso. Não pelo que conseguiu com o Brighton – 15 pontos e a 16ª colocação até agora -, mas por como conseguiu, transformando completamente uma equipe que essencialmente sobrevivia em um time capaz de enfrentar todos os adversários e desafios sem medo do campo e da bola.

Embora o time ainda precise percorrer uma longa estrada ao trocar Hughton (um técnico competente, mas com repertório bem mais limitado) por Potter, a diretoria não teve dúvidas e, após apenas um semestre no Amex Stadium, já renovou seu contrato até 2025. A equipe que tinha média de 44% de posse de bola na temporada passada saltou para 53% nesta. Potter confiou em jogadores formados no clube, ate então ignorados no time principal, como Connolly e Alzate (agora convocados por suas seleções, Irlanda e Colômbia) em detrimento de nomes como Andone e Locadia, que saíram por empréstimo, e ofereceu dois ótimos potenciais e mais valor de mercado ao elenco. Basicamente o mesmo que ele fez por Daniel James, hoje no Manchester United, quando estava no Swansea. Sua criatividade e abordagem integrada, que envolve muito a relação com os torcedores e o lado humano dos jogadores, podem evitar um rebaixamento que parecia questão de tempo para o Brighton.

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