sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Eu sou o Chelsea

Era outubro de 2005 e José Mourinho não se atrevia a afirmar: “Frank Lampard, para mim, é o melhor jogador do mundo“. Stamford Bridge desfrutava do futebol mais espetacular da sua história e Lampard rompia como ninguém imaginava. Longe estavam as acusações da torcida do West Ham (seu clube de origem) nas quais o recriminavam um pouco de tudo: desde o rendimento até o estado físico, passando pelo apelido (Fat Frank). Para muitos, Lampard só jogava porque seu pai era o treinador. Agora estava em outro patamar. A alguns meses de receber uma Bola de Prata, era o vigente campeão do Campeonato Inglês. Havia-se convertido em um classe mundial, um dínamo do meio-campo inglês.

Em 2003-2004, Lampard faria sua primeira temporada na qual registraria números consideravelmente bons: dez gols e 12 assistências. De lá para cá, transformou-se em uma máquina eficiente, anotando 213 gols no geral em sua passagem pelo Chelsea, fato que o tornou o maior goleador da história do clube. Foram dez temporadas consecutivas marcando dez ou mais gols. Um meia que tinha uma relação especial com as redes, superior a de lendas de sua geração, como Clarence Seedorf ou Xavi Hernandez. Até então, nada disso parecia possível. O Chelsea havia alcançado as semifinais da Liga dos Campeões, sendo eliminado pelo Monaco, mas Roman Abramovic, sedento pela glória de levantar a Orelhuda, queria dar um passo além.

E esse passo significava contratar José Mourinho, o campeão da UCL daquela temporada com o Porto. O português tirou o máximo de talento de seu elenco, criando um sistema extremamente veloz, atípico para os padrões da época. Era o Chelsea de Arjen Robben, extremo esquerdo que abria o campo na velocidade da luz. Didier Drogba era a garantia de sucesso nas ligações diretas. E Lampard, o box-to-box que acumulava metros como nenhum outro meia do plantel. Para o gajo, o camisa 8 representava uma arma especial: devido à potência física, Lampard se juntava aos extremos e também ao centroavante. A qualquer altura, em qualquer momento, especialmente quando conduzia um contra-ataque, arma mortal daquele time. Além disso, sua enorme personalidade era respeitada por todos, consolidando um grupo unido e, acima de tudo, forte. Em 2005-2006, Lampard terminou a temporada por clubes com 20 gols. Já fazia parte da mais absoluta elite do futebol.

Até aqui, o texto é doce, como corresponde ao centrocampista estrela de uma equipe bi-campeã nacional. O golpe mais duro aconteceria no verão de 2006. A Copa do Mundo da Alemanha parecia o momento ideal para a Inglaterra quebrar um jejum de 40 anos sem vencer um Mundial. A English Team tinha uma geração muito talentosa, com nomes de respeito: Rio Ferdinand, John Terry, Ashley Cole, Steven Gerrard, Wayne Rooney, David Beckham. E Frank Lampard, que chegou em solo germânico sob enorme expectativas. Eram nomes dignos de um campeão. Ainda que a qualidade estivesse presente em todas as linhas, o grande luxo estava em sua dupla de pivotes, no 4-4-2 proposto pelo técnico Sven-Göran Eriksson: Lampard e Gerrard (vigentes Bola de Prata e Bronze, respectivamente) simbolizavam uma riqueza futebolística que nenhum outro meio-campo poderia igualar.

No entanto, a realidade era diferente. Steven e Frank, cuja rivalidade em seus clubes era grande (a eterna discussão sobre quem é melhor), não “souberam” dividir espaços juntos. Gerrard sentia falta de Xabi Alonso; Lampard, de Claude Makélélé. Espanhol e francês eram os primeiros volantes puros que escoltavam e permitiam a ambos voarem zonas à frente. Menos dinâmico que Gerrard, a Lampard foi dado o papel de “organizador”, algo que só foi cumprir com êxito depois dos 30 (saberemos mais à frente sobre isso). Se a história recente da Inglaterra é de constantes frustrações, o caso de Lampard é ainda mais triste. Suas carências, que não eram muitas, ficavam totalmente expostas em um coletivo que suplicava um peso excessivo de jogo. Pela Seleção, Gerrard, a bem da verdade, sempre mostrou maior dignidade. Tem gols em Eurocopas e em Copas. Lampard só pôde anotar um gol em uma grande jornada por seu país (gol anulado contra a Alemanha no Mundial da África à parte). Não foi possível: a Inglaterra fracassou em território alemão. A eliminação nas quartas-de-final para Portugal, de Felipão, foi o estopim de um debate que intriga até hoje os fãs do futebol inglês: como e por que dois craques como Lampard e Gerrard não encaixaram e trouxeram resultados à sua seleção?

Temendo as críticas que receberia seu craque, Mourinho saiu a protegê-lo. “Entendo que o critiquem. Mas vocês nunca tiveram um jogador tão bom quanto ele. Não estão acostumados a isso“, lançou. Estava claro: sua casa era o Stamford Bridge e seu uniforme era azul, não branco com detalhes vermelhos. Ali sim, sempre iria corresponder, acumular exibições galáticas e, quando possível, triunfar. De 2006 até sua despedida, em 2014, ganhou mais uma Premier League (já sob a batuta de Carlo Ancelotti) e a Liga dos Campeões (com Di Matteo). Após a demissão de Mourinho no início de 2007-2008, começou no clube um período de “entre-guerras” Avran Grant e Guus Hiddink duraram apenas alguns meses, o que não impediu Lampard de seguir rendendo e marcando, ainda que em menor escala.

Carleto, em 2009, encontrou uma fórmula para potenciá-lo e aproximá-lo da versão de 2006. Afinal de contas, montou um sistema baseado no time de Mourinho, um 4-3-3 com pontas bem abertos, laterais profundos (ótima temporada de Cole), Essien o protegendo e o melhor Drogba já visto. O Chelsea sobrou e foi mais uma vez campeão inglês. Anos depois, na última tentativa de levantar um troféu europeu do ciclo que iniciou em 2004, Di Matteo, após o fracasso de Villas-Boas, achou um papel ideal para Frank ter seu canto do cisne: recuado, de primeiro volante. Por ironia do destino, o último Lampard competitivo que a UEFA Champions League viu foi exercendo a função na qual falhou e foi criticado na Copa de 2006.

A célebre semifinal contra o Barcelona de Messi fincou o nosso protagonista definitivamente na história do torneio. Em Londres, no jogo de ida, é Lampard quem desarma o extraterrestre argentino e inicia um contra-ataque como nos velhos tempos, finalizado com um gol de Drogba. Em Barcelona, quando o Chelsea estava perdido, enfrentando o jogador mais temido do século XXI em seu domínio, é Lampard, mostrando seu novo arsenal técnico, quem pede a bola, acalma o jogo de sua equipe, dá oportunidade aos companheiros ganharem confiança e lança Ramires com eficiência para o brasileiro empatar. Uma loucura que os Deuses do Futebol nunca deixariam não acontecer com Frank Lampard Junior, o Mister Chelsea: 213 gols com o clube londrino e “nenhum” com Seleção Inglesa. Coisas do futebol.

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