quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Tabelando com o técnico José Roberto Fernandes, pioneiro no futebol árabe

(por Leonardo Missio, do Tabelando)

Antes do mercado chinês assombrar com suas propostas “estratosféricas”, havia outro mercado emergente que atraía por suas somas vultosas. O Oriente Médio atraia os jogadores da mesma maneira que os chineses, com muito dinheiro. O “Tabelando” de hoje é com um pioneiro que acompanhou a evolução do futebol no mundo Árabe de perto.

Ex-jogador e treinador, José Roberto Fernandes rodou o mundo e o Brasil trabalhando. É um dos treinadores responsáveis pelo “Carrossel Caipira” do Mogi Mirim. Jogando, foi campeão da Taça Guanabara com o Vasco em 1968. Passou por vários clubes como, Ponte Preta, São Cristóvão, Capivariano e outros. Zé Roberto, foi um dos primeiros a ir para o Oriente Médio como treinador. Trabalhou no Kuwait, Arábia Saudita e no Iêmen. Também treinou equipes no Egito e na Líbia.

Mapa dos países em que José Roberto trabalhou. Além dos integrantes do Oriente Médio, também teve passagem no continente africano.

Sair do Brasil para morar num país com cultura totalmente diferente não é nada fácil. São fartos os casos de jogadores que saem e logo voltam por não se enquadrar nos costumes locais. Imagine isso em 1981.

Zé Roberto contou suas histórias:

Tabelando – Você foi um dos pioneiros a sair do Brasil e ir para o Oriente Médio ser treinador. Como surgiram seus contatos e como você foi parar lá?

José Roberto – Fui. Meus primeiros contatos foram através da associação brasileira de treinadores no início de 1981. Vieram três seleções do Catar, a principal, a sub-20 e a sub-17. Eram dirigidas pelo Evaristo de Macedo e fui contratado para trabalhar com a seleção sub-20 do Catar aqui no Brasil, durante os três meses que ficariam aqui. Depois disso recebi o convite para ir para o Kuwait. E disso surgiram meus contatos no mundo Árabe.

Tabelando – Agora com a internet, tudo ficou mais fácil. Mas, naquela época era mais difícil ter informações sobre outros países, ainda mais dos Árabes. Quando chegou lá, o choque cultural foi muito grande?

José Roberto – Foi muito grande. Por eu estar no Rio, na época, e fazer parte da associação brasileira de treinadores, então eu ainda tinha um pouco de informações de lá. Não muitas, afinal na época não tinha internet. No Kuwait uma carta que vinha do Brasil demorava 30 dias para chegar. Hoje é muito mais fácil para interagir e ter informações. A primeira coisa era saber que a maioria no Mundo Árabe é muçulmano, Arábia Saudita 100% muçulmano, Kuwait também. Então tinha a primeira coisa era respeitar a religião deles, respeitar os horários da reza deles. Procurei entender, li muito sobre a religião deles.

Tabelando – Os horários das rezas atrapalhavam os treinos?

José Roberto – Sim, você pega o macete depois. Mas, tem dois horários de reza que podem coincidir com o seu treinamento: às 15:30 e no final da tarde, quando o sol se põe. Então tinha treinador que não conhecia e ficava bravo por ter que parar o treino. Por que eles param de treinar, lavam o rosto, tiram a chuteira do pé e lavam os pés para rezar. Então eu dividia o treinamento em duas ou três partes.

Tabelando – Além de serem jogadores de futebol, eles também trabalhavam em outro período?

José Roberto – Na maioria dos países que passei sim. Principalmente na década de 80, todos eles trabalhavam. Até hoje ainda tem, eles trabalham metade do dia e depois no final da tarde vão treinar. Mas agora muitos clubes já pagam bons salários para seus jogadores.

Tabelando – Algum jogador foi punido por não respeitar as culturas do país?

José Roberto – Teve um brasileiro conhecido que fez uma besteira lá. Não vou dizer o nome, mas estava em um time grande na Arábia Saudita e durante o jogo ele tirou a carteira e mostrou o dinheiro para o juiz. De noite colocaram ele no avião e mandaram ele embora de volta para o Brasil.

Tabelando – Quando chegou no Oriente Médio, como era o futebol lá?

José Roberto – O futebol era muito ruim, muito iniciante. Tinham boa vontade, procuravam copiar principalmente o brasileiro, que na época o Brasil era o exemplo. Fazíamos muitos treinamentos técnicos para evoluir os jogadores, alguns tinham uma certa habilidade.

Tabelando – E para se comunicar com os jogadores?

José Roberto – No início era muito difícil. Eu falava inglês, mas ninguém falava lá. Mas a bola na prática é universal. E fui aprendendo com eles e anotando.

Tabelando – Você pegou o início do futebol lá, como foi a evolução?

José Roberto – Quando abriram o futebol para jogadores estrangeiros, ajudou muito na evolução do futebol de lá. Uns dos primeiros países de lá a permitir jogadores estrangeiros foi a Arábia Saudita. E o Rivelino foi para lá, aí que o futebol começou a evoluir.

Tabelando – As estruturas que os clubes ofereciam eram boas? Qual o pior país que trabalhou?

José Roberto – Os clubes que trabalhei tinham uma estrutura muito boa. Os clubes da Arábia Saudita com estádios próprios que o governo dava, cada clube tinha um estádio. Uns menores, outros maiores, mas geralmente é um estádio padrão.

King Fahd International Stadium

King Fahd International Stadium, estádio construído em 1987, possui capacidade para 68 mil pessoas. Sediou a final da Copa das Confederações de 1997.

Na grande maioria subsidiados pelo governo. Mas eles tinham clubes bem estruturados, com boas academias. O trabalho de fisioterapia lá também era muito bom. O pior lugar que trabalhei foi no Iêmen.

Tabelando – Tinha pressão da torcida?

José Roberto – Só em jogos grandes, jogos contra times pequenos não tem. Mas eu trabalhei em duas cidades na Líbia, que tem uma pressão sim. Por que é o estádio é pequeno. Lá tem que ganhar jogo, torcedor fica xingando. O Líbio é muito marrento, e lá ninguém obedece, tem briga no estádio, pedrada.

Tabelando – Chegou a ter problemas com a torcida na Líbia?

José Roberto – O único problema que tive lá, foi uma vez que meia dúzia de “gato pingado” veio encher meu saco no treino. Aí tive que discutir com eles. Mas aí você vai brigar num país desses? Não vai né cara.

Tabelando – Era um país perigoso?

José Roberto – O Iêmen era muito perigoso. Muita sujeira, na época tinham muitos grupos de rebeldes que praticavam terrorismo, na Líbia também.

Tabelando – Tinha medo das leis muito rígidas?

José Roberto – Não, eu procurava seguir as leis e costumes do país, não adianta querer ir contra. Você vai lá para quê? Vai para trabalhar, pra ganhar seu dinheiro e sustentar sua família. Então, num país desses vocês tem que respeitar as leis. Em Abu Dhabi se jogasse um papel no chão tinha que pagar 500 dirhans (moeda local). E ou paga ou vai preso. Vai brigar no trânsito, vai preso. As vezes a gente perde a cabeça, mas…

Tabelando – Chegou a arranjar briga por lá?

José Roberto – Ah sim, mas foi dentro do clube, né? Durante a preleção o jogador estava enchendo minha paciência. Falou duas, três besteiras. Peguei ele no colarinho e falei:

“Ou você me respeita, respeita seus colegas e o clube e para com essa palhaçada ou pega suas coisas e vai embora”.

Mas depois até o manager me deu razão.

Tabelando – E histórias engraçadas?

José Roberto – Lá no Kuwait eles comem com a mão né. Teve uma vez que foi um carioca trabalhar lá, e teve um jantar com os diretores e tudo mais. Aí eu expliquei para ele que era tudo com a mão lá. Aí ele comeu e um dos árabes perguntou para ele se ele tinha gostado, se ele queria mais. Ele disse que sim. Nisso, o cara encheu a mão de arroz e colocou no prato dele. Aí ele olhou pra mim, eu já dei risada e disse:

“Vai malandro, agora come tudo!”

Tabelando – Qual seu futuro no futebol?

José Roberto – Para trabalhar no Brasil, tenho conversado com clubes. Mas para ser consultor técnico, a moda agora que o Leão lançou lá na Portuguesa. Por causa da minha experiência, acompanhei muito futebol, tenho listas e listas de jogadores. O Luan do Atlético, por exemplo, vi ele jogar no Atlético de Sorocaba, passei o nome para um dirigente do Atlético Paranaense na época.

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