terça-feira, 26 de novembro de 2019

Os riscos e os sonhos de um Tottenham que aposta em Mourinho

Um Tottenham em ebulição foi transformado em poucas horas entre terça e quarta-feira da semana passada. Após cinco anos de estabilidade e a sensação de um progresso contínuo que levou o time à final da última Champions League, um início de temporada muito decepcionante foi suficiente para o proprietário e presidente Daniel Levy demitir o já histórico técnico do clube Mauricio Pochettino. Menos de 24 horas depois, José Mourinho foi anunciado como novo treinador.

A rapidez com que tudo aconteceu e o grau de importância dessas decisões para o futuro do clube indicam que a diretoria tinha convicção sobre o que estava fazendo. Primeiro, na constatação de que Pochettino estava desgastado ao ponto de não conseguir mais extrair o melhor daquele grupo de jogadores e que uma reconstrução exigiria mais tempo e mais autonomia  do que a direção estava disposta a conceder ao treinador argentino. Depois, na definição do perfil do novo técnico: enorme ego, tendência a centralizar atenções e histórico vencedor, com o ônus de, em seus últimos trabalhos, ter deixado os clubes esportivamente em más condições (não foi o caso no Real Madrid, que em seguida enfileirou quatro títulos europeus em cinco anos, sejamos justos).

Foto: reprodução – Pochettino deixa o Tottenham após 5 anos.

Mourinho ama a Premier League, estava trabalhando como comentarista na Sky Sports inglesa e, sem nenhum desrespeito a outros técnicos, sempre passou a sensação de que apenas aguardava um convite de uma das equipes do Big 6 para recomeçar depois de quase um ano de sua demissão do Manchester United. Muita gente apostava que poderia ser o Arsenal, mas um salário alto, um contrato até 2023 e um elenco que precisa de reparos, mas muito talentoso como o do Tottenham representaram a oportunidade perfeita.

A estreia de Mourinho, no sábado, foi positiva. Apesar de o time ter sofrido nos últimos 20 minutos contra o West Ham no London Stadium, a vitória por 3 a 2 deixou algumas boas impressões. A equipe foi muito perigosa no ataque em um modelo de jogo que favoreceu a participação de jogadores que estavam em baixa – especialmente Aurier, Dier, Lucas e Dele Alli – e também tirou o melhor dos sempre confiáveis Kane e Son.

Dier, um dos vários jogadores do atual elenco do Tottenham que Mourinho já tentou contratar em sua carreira, e Winks deram sustentação a um time que atacou bastante: além do quarteto ofensivo, o lateral-direito Aurier apoiou o tempo todo e ainda deu a assistência para o gol de Kane. Com liberdade, Dele e Lucas tiveram uma ótima tarde, o que não acontecia havia muito tempo na Premier League. E ainda existem opções para integrar ao time, especialmente os reforços Ndombélé, Ryan Sessegnon e Lo Celso, que pouco jogaram com Pochettino nos primeiros meses da temporada muito em função de problemas físicos.

No que diz respeito ao elenco, os aspectos mais preocupantes neste momento são a situação de um desmotivado Eriksen, que o próprio Mourinho deu a entender nas entrelinhas que pode sair em janeiro, e os problemas defensivos. Ainda assim, o meia dinamarquês de repente não parece mais tão imprescindível, e o novo técnico tem alternativas para ajustar o sistema defensivo. Se quiser manter a ideia de aproveitar um lateral ofensivo e outro que funciona como terceiro zagueiro (como foi com Aurier e Davies, que estão muito longe de serem unanimidades, em sua estreia), Mourinho também pode escalar Foyth como um defensor à direita e Sessegnon ou Rose como um ala à esquerda.

Foto: reprodução – Mourinho em sua estreia com Lucas Moura titular.

O fato é que, sem qualquer dúvida, o elenco que Mourinho herda no Tottenham é muito mais capaz do que o que ele entregou a Solskjaer no Manchester United. Com diversas opções para controlar o jogo ou atuar em transições rápidas, o grupo exige, neste momento, muito mais alguns reparos (talvez já no mercado de janeiro) e uma gestão de vestiário do que exatamente uma revolução. Não há muitos motivos para duvidar do impacto de Mourinho no curto prazo. O Tottenham certamente não ficará na décima posição em que está neste momento.

E o longo prazo?

Ir de Pochettino a Mourinho pode representar uma ruptura de estilo, tanto na forma de comandar quanto no que se vê em campo. Mas é justo apresentar sérias ressalvas ao estereótipo de que o técnico português é simplesmente um “retranqueiro” incompatível com o futebol moderno. Muito longe disso. Mesmo nesta década, ele já construiu times que valorizaram jogadores criativos e atacavam com eficiência.

O Real Madrid dos 100 pontos, que tinha Özil orquestrando contra-ataques ao lado de Di María e Cristiano Ronaldo, e o Chelsea campeão em 2014-15 (nem faz tanto tempo assim!) que frequentemente contava com Matic e Fàbregas como volantes são exemplos. Mesmo o trabalho no Manchester United, que com justiça é apontado como o seu mais decepcionante, teve alguns bons momentos na segunda temporada, quando o time foi vice-campeão nacional. Os últimos meses em Old Trafford, sim, foram um completo desastre dentro e fora de campo. Mourinho tenta se adaptar às circunstâncias e às vezes produz equipes de futebol considerado “negativo”, mas alguns rótulos são muito pequenos e pejorativos para caracterizá-lo.

Foto: reprodução – Mourinho em sua passagem pelo Real Madrid

Mesmo assim, sua ida ao Tottenham pode e deve gerar questionamentos. Um dos que mais chamam atenção talvez seja a relação que ele terá com a política de contratações do clube. Apresentado como “head coach“, não “manager“, Mourinho não deve ser exatamente soberano nas decisões sobre o que fazer com o orçamento, o que pode ser um problema em sua relação com Daniel Levy, com quem Pochettino se frustrou bastante em janelas de transferências. E é muito importante lembrar que sua parceria com o diretor esportivo Ed Woodward no Manchester United foi uma tragédia, com diversas contratações caras (ou na transferência, ou no salário) que no máximo deram retorno de curto prazo e se revelaram um problema para o clube administrar, com contratos longos e ausência de interessados em assumir os enormes vencimentos.

Outro ponto que precisa ser esclarecido são os reais objetivos do Tottenham para os próximos anos. Para esta temporada, é justo dizer que Mourinho pode atacar em três frentes: tentar terminar entre os quatro melhores (um desafio difícil, considerando o que têm jogado Leicester e Chelsea), ganhar um troféu (eventualmente em copa nacional) que não vem desde a Copa da Liga em 2008, com Juande Ramos, e buscar ir o mais longe possível na Champions League.

No entanto, os objetivos para os próximos anos tendem a ser muito mais ambiciosos. Ninguém paga £15 milhões anuais a um treinador para se contentar com resultados medíocres. Conquistar a Premier League, criar um ambiente que permita a Harry Kane permanecer durante toda a carreira nos Spurs e, com o novo estádio, livrar-se definitivamente do rótulo de um clube incapaz de dar o último passo devem passar pelos pensamentos da direção. A ruptura, simbolizada pela contratação do português, foi o caminho identificado como o mais curto. Mas Klopp e Guardiola darão espaço a isso? Qual Mourinho tentará entregar esses sonhos?

Foto: reprodução – Mourinho não viveu um de seus melhores momentos no Manchester United

O risco é significativo. Se for mais o Mourinho de Manchester do que o de Madrid, Levy desperdiçará todo o trabalho de Pochettino na construção de uma identidade de jogo e da mudança de patamar de um clube que passou a superar o rival Arsenal anualmente, algo impensável até há pouco tempo. O contrato também é longo demais, com duração superior à que o técnico costuma se sustentar nos clubes antes de implodir o vestiário. O desafio é enorme, as possibilidades são infinitas, e o personagem é, embora às vezes de difícil trato, também muito divertido para quem acompanha de longe. Um prato cheio para quem gosta de grandes histórias.

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