terça-feira, 22 de outubro de 2019

Daniel James é o Manchester United que dá certo

O debate pós-jogo de Manchester United 1 x 1 Liverpool, na Sky Sports, foi bastante animado. Os ex-jogadores e comentaristas Gary Neville e Graeme Souness discordaram frontalmente na pauta “atacantes”. O primeiro ponto de divergência foi Marcus Rashford: Neville defendeu a aposta de longo prazo que o United faz nele; Souness afirmou que ele “não está pronto”. Depois,  a discussão girou em torno do tipo de atacante em quem o clube deve investir. Enquanto Neville apoiou a contratação de alguém que contribua mais para o conjunto (citou Firmino e Son como exemplos), Souness indicou “alguém que marque 25 gols por temporada”.

Provavelmente a maior referência na mídia esportiva quando o assunto é Manchester United, Neville aparentemente não se incomoda tanto com o fato de o time não entregar resultados imediatamente. A visão do ex-lateral parte do princípio que o clube cometeu erros graves, sobretudo no recrutamento de jogadores, nos últimos anos e que um processo de reconstrução passaria obrigatoriamente por algumas – não uma ou duas – janelas de transferências. Souness, mais “old school” (e historicamente ligado ao Liverpool), acha inaceitável que o United se proponha a uma remodelação gradual que deixe o time tão fragilizado e dependente de jovens valores neste momento.

De certo modo, é mesmo inaceitável que o Manchester United tenha dez pontos em nove rodadas, esteja  na 13ª posição e a 15 pontos do líder. A questão é que a causa desse sintoma não é exatamente a abordagem do clube na última janela, quando não substituiu diretamente Lukaku e não trouxe novas opções para o meio-campo após a saída de Ander Herrera. O problema vem de longa data e é mais profundo.

 

O próprio United é a prova de que pior do que contratar ninguém é contratar os jogadores errados. Falcao, Di María, Schneiderlin, Depay, Darmian, Schweinsteiger, Sánchez, Matic, Mkhitaryan, Lukaku… É longa a lista de soluções que o clube buscou desde 2015 e que não funcionaram em médio prazo ou simplesmente nunca deram resposta. O dinheiro e a fé investidos nesses jogadores sufocaram o clube.

Isso não tem necessariamente relação com a capacidade individual deles, mas com a falta de visão do grupo que administra o clube. Como queremos jogar? Essa maneira de atuar independe do treinador que estiver no comando? Pretendemos apenas ganhar no ano que vem, ou a ideia é construir um time competitivo para a próxima década? São perguntas para as quais provavelmente não havia respostas convincentes nas últimas temporadas.

Está claro que o United deu um passo atrás. À parte os questionamentos sobre a capacidade de Ole Gunnar Solskjaer para liderar esse processo, que são muito justos, ao menos agora existe alguma coerência. Um dos nomes citados no debate entre Neville e Souness foi Lukaku,vendido à Inter. O fato de ele ter saído por praticamente o mesmo valor que o United pagou ao Everton há dois anos indica que ele não “piorou” como jogador, mas simplesmente foi considerado incompatível com a ideia de jogo de Ole. Não há nada de errado em pensar num modelo, escolher com quem contar e começar a construir uma equipe compatível com a proposta, mesmo que o processo exija paciência.

É a visão que Neville apresentou na Sky: Lukaku é um artilheiro comprovado e provavelmente estaria marcando seus gols em Old Trafford nesta temporada, como já está na Inter. Mas não ofereceria ao time a fluidez com que o United quer atacar nos próximos anos, apostando em jogadores com mais mobilidade e que se associem, como Rashford, James, Martial e no futuro Greenwood, para citar quem está no elenco. É muito possível que o clube contrate mais um atacante em breve, talvez em janeiro, mas tudo indica que não será um substituto direto para o belga, pois as características exigidas são outras.

Apesar da temporada muito fraca até agora, as três contratações do United na última janela foram certeiras: Wan-Bissaka é um lateral-direito com fantástico potencial, Maguire oferece mais estabilidade à defesa (que, vale o registro, sofreu tantos gols quanto a do Manchester City até agora), e Daniel James se adaptou bem mais rapidamente do que se poderia imaginar. Todos eles melhoram o time agora, têm margem de evolução e, portanto, a expectativa de serem relevantes no elenco por vários anos. Faltam outras opções com esse perfil especialmente no meio-campo, onde há dúvidas sobre a motivação de Pogba e a qualidade de outras peças, mas os três que chegaram para outros setores cumprem exatamente o que se espera deles.

Mais até do que Wan-Bissaka e Maguire, que eram claramente jogadores prontos para esse passo, Daniel James é a maior sacada recente do United. Quando muita gente esperava um nome impactante, ele foi a primeira contratação de Solskjaer em Old Trafford: £15 milhões, que com bônus podem virar £22 milhões, quantia que absolutamente qualquer clube da Premier League poderia investir em alguém como o winger de 21 anos, saindo da segunda divisão. Nem parecia o Manchester United, que até quando buscava jogadores jovens geralmente apostava em nomes mais consolidados,unanimidades como Depay, que vinha de ótima Copa do Mundo no ano anterior, ou Martial,que já era muito relevante no Monaco.

James fez sua estreia no time principal do Swansea quando já tinha 20 anos, em fevereiro de 2018. Antes, havia passado por empréstimo, sem sucesso, pelo Shrewsbury Town. Foi com Graham Potter, o inteligente e corajoso técnico atualmente no Brighton, que o galês começou a efetivamente ser aproveitado. James chegou a duvidar que vingaria no futebol profissional e gostaria de ter sido emprestado novamente quando Potter o chamou e disse que ele “teria uma grande chance de jogar pelo Swansea”.

O técnico inglês identificou nele características fundamentais para o ataque flexível que gostaria de implementar no Swansea: uma combinação explosiva entre aceleração, velocidade e drible. Com essencialmente um semestre de futebol profissional, despertou o interesse de Marcelo Bielsa e quase trocou o time galês pelo Leeds em janeiro por £10 milhões. Mais seis meses, e ele estava no Manchester United. Um ano depois de questionar sua própria habilidade para ter uma carreira.

O início de James em Old Trafford foi tão impressionante quanto sua rápida ascensão no Swansea. Logo na estreia, marcou nos 4 a 0 sobre o Chelsea. Em seguida, titularidade, mais dois golaços, contra Southampton e Crystal Palace, e o prêmio de Jogador do Mês no Manchester United em agosto. Normalmente como ponta esquerda, usando sua velocidade e a capacidade de cortar para dentro e finalizar.

 

No empate diante do Liverpool, no último domingo, foi utilizado em uma nova função, em uma dupla de ataque ao lado de Rashford, e deu uma assistência perfeita para seu parceiro no gol dos Red Devils. Foi também fundamental para fazer funcionar o ajuste tático de Solskjaer, que optou por três zagueiros e alas para se defender melhor e explorar a velocidade dos atacantes. Foi uma prova de fogo que comprovou a aptidão do galês para ser importante no novo United que, ainda cheio de limitações, começa a se desenhar.

Daniel James sintetiza aquilo que o clube quer ser: capaz de identificar não necessariamente os melhores jogadores dos últimos anos, mas aqueles que vão brilhar nas próximas temporadas, e tudo isso de acordo com as características de que o time precisa para viabilizar o modelo de jogo pretendido. Parece uma cartilha um tanto óbvia para o sucesso, mas que foi ignorada por anos em Old Trafford.

A ladeira que o United precisa subir é longa, o time ainda não dá indícios de que consegue enfrentar defesas fechadas – o famoso “bloco baixo” – e não sabemos se todo esse percurso será feito com Ole no volante (“Ole’s at the wheel”, como diziam os torcedores quando ele empolgava ainda como técnico interino). Mas ao menos o clube dá alguns sinais da direção que pretende seguir.

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