sábado, 12 de outubro de 2019

Jorge Jesus, Sampaoli e o legado pro futebol brasileiro

Faltando um pouco mais de duas horas pro início do jogo entre Flamengo e Atlético-MG, na quinta-feira, a estação de trem de Duque de Caxias começava a aglomerar de rubro-negros rumo ao Maracanã. Os torcedores estavam de bem com a vida; afinal de contas, uma vitória e o Fla abriria oito pontos de distância para o Palmeiras na disputa pelo título. A fase é boa e o futebol bem jogado encanta. Em uma das resenhas, dois amigos falavam sobre Jorge Jesus. Sobravam elogios. Um deles chamou a atenção: “esse cara é maluco, ele foi ao Maracanã assistir Fluminense x Avaí pra analisar o Avaí!”, disse um dos rapazes. Sintomático o espanto.

O português é um desses “doentes por futebol” (sem trocadilhos). Em julho, antes do debute do lusitano, Bruno Henrique explicou, em coletiva, como os primeiros contatos com o comandante serviram como lições ao elenco. O atacante afirmou que Jesus explicou passo a passo, depois de analisar horas de futebol do Flamengo em 2019, quais os erros do time e o que fazer para consertá-los e ajustar os pontos fortes. Um dos pedidos do ex-técnico de Benfica e Sporting para assinar com o clube da Gávea foi a solicitação de um equipamento para lhe auxiliar nas instruções táticas durante treinamentos (um carrinho com um quadro acoplado, como se fosse uma prancheta, muito utilizado na Europa) e a manutenção diária no Ninho do Urubu, que precisava ter o gramado mais baixo para facilitar o estilo que pretendia implantar. Jesus conversou com um profissional responsável pelo trabalho e pediu a redução da altura da grama de 22mm para 18mm. Além disso, exigiu pontos de marcação de horário para vigiar e controlar o tempo de permanência de cada um no CT.

Jesus trouxe consigo na bagagem um pacote completo, e ele não inclui somente questões táticas. A busca pela perfeição no preparo físico, por exemplo, foi um dos questionamentos debatidos quando seus jogos iniciais foram marcados por demasiadas lesões (que, a bem da verdade, nada tinham a ver, realmente, com a intensidade dos treinos, visto que não eram musculares). E um de seus princípios exige o estudo significativo do adversário. É lógico que esse aspecto não é exclusivo do gajo (e aqui nem cabe antagonizar com técnicos brasileiros, levantando uma possível dicotomia entre “moderno” e “atrasado”, mas o visível prazer pelo trabalho, desde que dentro de um limite, é digno de exaltação.

O Flamengo gastou mais de R$ 200 milhões para reforçar o elenco de 2019. Do time-base do ano passado para o atual, apenas três remanescentes: Diego Alves, William Arão e Everton Ribeiro. Todos os outros que compõe o onze inicial rubro-negro, aquele que já está na boca de cada torcedor, chegaram ou no mercado de janeiro ou no do meio do ano: Rodrigo Caio, Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabigol numa primeira remessa; Rafinha, Pablo Marí, Filipe Luís e Gerson numa segunda. A agressiva capacidade financeira capaz de montar uma equipe recheada de talentos é um fator primordial, sobretudo porque ela indica que a distância do Flamengo para os demais clube só tende a aumentar (também por méritos do exemplar processo de reestruturação que passou o clube com a gestão de Eduardo Bandeira de Mello em 2013), mas ela por si só não explica por completo o Flamengo de Jorge Jesus.

A chegada do segundo grupo de contratados melhorou gradativamente o que já era excelente, é fato, mas, com Abel Braga, o Fla não tinha metade do desempenho. Na Libertadores, passou de fase na última rodada com requintes de crueldade, empatando por 0 a 0 em Montevidéu contra o Peñarol, adversário que triunfou em pleno Maracanã por 1 a 0 e que foi presa fácil para o Fluminense de Fernando Diniz na Sul-Americana. Nem mesmo no Campeonato Carioca o Fla sobrou com muita facilidade. O time era mais ortodoxo, por vezes previsível e sem variação, já que Abel, por pragmatismo e conservadorismo, acreditava em um estilo mais “trabalhador”. Não à toa, Bruno Henrique tinha fortes obrigações defensivas, Gabigol chegou a ser escalado como ponta pelo lado direito, Arrascaeta não tinha tanto a simpatia do campeão mundial de clubes em 2006. Aliás, tanto o camisa 9, quanto o camisa 14 foram contratações que partiram diretamente do desejo da diretoria, e não do treinador.

Em seu blog no portal UOL, o jornalista André Rocha foi claro já no título de seu recente artigo: esse é o melhor Flamengo desde 1982. Sem entrar em tais méritos, são os argumentos utilizados pelo blogueiro que valida a declaração. E o 3 a 1 contra o Galo faz valer a reflexão. Sem Rodrigo Caio, Filipe Luís, Arrascaeta e Gabigol, o Flamengo impôs seu jogo com naturalidade diante do rival, que, quatro dias antes, tinha segurado o Palmeiras em São Paulo, por 1 a 1. Principalmente no primeiro tempo, o monólogo que os mais de 60 mil torcedores presentes no estádio viram foi de impressionar. Rodrigo Santana repetiu o 5-4-1 que deu certo no Allianz Parque, mas que gradativamente foi sendo destruído pela incessante movimentação do sistema ofensivo vermelho e preto. Quando recuperava a bola, os mineiros não tinham por onde sair jogando sem ser no chutão, porque cada atleta rubro-negro estava ciente de onde estar posicionado para iniciar a pressão. Em 22 jogos com Jesus, são 14 vitórias, seis empates e duas derrotas. 44 gols marcados. Um vendaval.

Foto: Ivan Storti/Santos FC | Jorge Sampaoli comanda atividade no CT Rei Pelé. Na quarta-feira, o Santos passou por cima do Palmeiras na Vila

Vendaval (também) foi o que o Santos aprontou na quarta-feira contra o Palmeiras, na Vila Belmiro. Com Everson, Pará, Lucas Veríssimo, Gustavo Henrique, Jorge; Diego Cristiano, Carlos Sánchez, Jean Mota; Marinho, Sasha, Taílson. Apurar a escalação que o Peixe vai utilizar numa partida, certamente, deve ser um dos maiores furos que jornalistas que cobrem o clube devem ter atualmente. Em 51 jogos, Sampaoli utilizou 49 escalações diferentes. Nada é por acaso. O rodízio radical é incomum não só no futebol brasileiro, como no mundial, mas mostra que Sampaoli tem variadas estratégias e treina seu time de acordo com o adversário.

No fim de setembro, o Santos foi ao Maracanã encarar o Fluminense com uma linha de três zagueiros e dois alas bem abertos, esquema que foge do usual, mas que já chegou até a ser o principal do argentino em outros times da sua carreira. O Peixe fez um primeiro tempo de louvour e explorou todos os defeitos de um organizado Tricolor, em especial porque, pela direita, como Nenê não voltava para recompor, Felipe Jonathan e Soteldo levaram Gilberto à loucura. Jogadores como Jorge, Victor Ferraz e Carlos Sánchez ficaram no banco. No mesmo Maraca, para enfrentar o forte lado direito do Flamengo, abriu Luan Peres para a lateral esquerda e adiantou Jorge para o meio, reforçando a marcação contra Rafinha e Bruno Henrique. O Fla venceu no talento de Gabigol, mas a atuação santista foi bastante louvável.

Mas por que o sucesso de Sampaoli e Jesus merece tanta menção? Porque aparentemente incomoda pelo fato de serem estrangeiros. E aqui não cabe juízo de valor, mas sim apresentar os fatos. O português, antes mesmo de assinar com o Flamengo, era vilipendiado por parte (pequena) da opinião pública. “Só treinou em Portugal!”, “ganhou o quê?”. O argentino já ouviu “aqui é Brasil!” como provocação de um treinador depois de um certame e foi tratado com desdém por outro colega de profissão: “vai ser o próximo treinador da Seleção porque é argentino, usa bicicleta e tem tatuagens”.

O futebol brasileiro não tem que ter a vergonha de absorver o melhor da dupla e de um futuro legado. E o aprendizado serve para os dois lados. Ambos não conseguiram vencer o Athletico-PR do excelente Tiago Nunes, para citar um profissional nacional de valor. Ou quem não se lembra da pancada do Grêmio de Renato Gaúcho em plena Vila contra o Santos por 3 a 0? Por falar em 3 a 0, o Bahia de Roger Machado não deu chance ao Fla na Fonte Nova. Mas Flamengo e Santos são hoje líder e vice-líder do Brasileirão porque, acima de tudo, têm dois treinadores capacitados. E os jogos mostram isso.

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