segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Das marcas da guerra civil guineense aos aplausos do Camp Nou: conheça Ansu Fati, nova pérola do Barça

Imagina o seguinte cenário: você tem 16 anos, está em casa de férias e é chamado pelo treinador do Barcelona para compor o elenco do time na estreia do Campeonato Espanhol. Imaginou? Pois bem, agora estamos na segunda rodada. Você entra em campo faltando pouco mais de dez minutos para o fim e se torna o segundo jogador mais jovem a vestir o uniforme azul e grená numa partida oficial. Tudo fora do normal, não é? Mas calma lá: ainda temos mais alguns dados para encerrarmos esse improvisado lead. Na terceira rodada, você entra no segundo tempo, vendo seu time perder por 1 a 0, e marca seu primeiro gol como profissional, empatando o jogo, tornando-se o mais jovem jogador do clube a marcar um tento numa partida oficial. Agora é pra encerrar mesmo: na quarta rodada, inicia jogando perante um Camp Nou lotado e, com dez minutos de peleja, marca um gol e dá a assistência para outro. Essa é a história de Ansu Fati, a nova mina menina dos olhos de todos os culés.

Por si só, os primeiros passos de Ansu como profissional já seriam um ponto fora de curva em qualquer era do futebol. Mas a precocidade é mais assustadora quando levamos em consideração que, nos amistosos de pré-temporada, Ernesto Valverde sequer havia relacionado o menino (e aqui, realmente, cabe o uso da palavra) para o “tour” na Ásia e nos Estados Unidos. Do time que estreou contra o Chelsea, no Japão, sete eram das categorias de base: Riqui Puig e Collado, que começaram jogando, e Iñaki Peña, Carles Pérez, Monchu, Araújo e Guillem, que ficaram no banco. Algo completamente normal, visto que estamos falando de um atleta da equipe juvenil, que nem estreou pelo Barça B, que seria uma espécie de “sub-20” (o Barça B não funciona só dessa forma, mas os jogadores com idade para sub-20 passam por lá).

 

Anssumane Fati nasceu em Bissau, capital da Guiné-Bissau, em outubro de 2002. A bonita biografia que começa a ser construída poderia nem ter sido escrita. Quatro anos antes da vinda de Ansu Fati ao mundo, uma terrível guerra civil explodiu no país, num triste episódio conhecido como Guerra de 7 de junho. Ao todo, estimam-se que mais de 6 mil vidas foram tiradas. O confilto militar durou 11 meses e causou danos irreparáveis à nação africana, a primeira colônia portuguesa a ter a independência reconhecida por Portugal. A instabilidade política é alta e as diferenças sociais são gigantescas. Não bastasse tudo isso, em 2012 um novo golpe de estado foi colocado em ação. De acordo com a ONU, mais de dois terços da população vive abaixo da linha da pobreza.

As marcas da guerra ecoam até os dias atuais e foi o motivo para o pai de Ansu, Boji Fati, ter deixado o país quando o filho tinha um ano de idade rumo a Portugal em busca de maiores oportunidades e crescimento financeiro. Lá, tentou iniciar uma carreira profissional no futebol nas ligas inferiores, mas não deu certo. Sendo assim, devido a chance de trabalho para imigrantes em Marinadela, município espanhol localizado em Sevilla, se mudou para a Espanha. No entanto, o sonho virou pesadelo. Boji não conseguiu se fixar no emprego e, em menos de um ano, teve que morar nas ruas para conseguir se alimentar.

Foto: Reprodução | Ansu Fati e sua família, no dia em que assinou o primeiro contrato profissional com o Barcelona

O destino passou a sorrir em 2008. Depois de uns bicos que fez em Marinadela, Boji virou motorista de Juan Manuel Sánchez Gordillo, prefeito local. O político não só empregou, como decidiu recompensar Boji pelo trabalho duro de uma forma que jamais será esquecida pelo guineense: ele ajudou a tirar a família Fati da Guiné-Bissau e levá-la para Sevilla. Assim, Ansu Fati, sua mãe (Lurdes Fati), seu irmão mais velho (Braima Fati) e sua irmã mais nova (Djucu Fati) desembarcaram na Andaluzia.

Aos 7 anos, Ansu começou a jogar CFD Herrera, pequeno clube de base em Marinadela, e depois passou em teste no Sevilla. No clube de Nervión se destacou tanto que chamou a atenção nos torneios de olheiros do Real Madrid e Barcelona. O Real, inclusive, teria feito uma proposta superior a que o Barcelona faria. No entanto, depois de um encontro com um representante do Barça, foi definido que a nova casa dos Fati seria a Catalunha. Pois bem, em 2012, Ansu chegava ao FC Barcelona, com 10 anos.

Engana-se quem pensa que a ascensão de Ansu Fati está sendo meteórica somente agora. Na Espanha, como foi no Brasil há alguns anos, cada divisão das categorias de base leva um nome. O sub-14, por exemplo, é chamado de “Infantil A”. Quando o atacante tinha essa idade, a comissão técnica da base barcelonista queria inscrevê-lo em torneios do “Juvenil B”, referente ao sub-18. No entanto, nessa fase só é permitido quem tem mais de 15 anos. Hoje, Ansu já é jogador do “Juvenil A”, o sub-19, onde é treinador por Víctor Valdés.

Aparentemente, pular etapas é natural para a promessa. Para se ter uma noção, em março, a expectativa era de que Ansu fizesse uma pré-temporada com o Barça B e, a partir daí, começasse a fazer gradativamente a transição a esse time. Em junho, depois de alguns meses de imbróglio em relação à renovação contratual, a diretoria culé chegou a um acordo para a assinatura do primeiro contrato profissional do jovem, até julho de 2022.

Passado o alívio pelo final feliz em relação à renovação, agora Ansu vive um dilema sobre qual país irá escolher para defender nas competições de seleção. O pai pressiona para que seja a Espanha, já que “se sente espanhol”, mas há quem diga que o mini-craque está indeciso pelo carinho que tem por Guiné-Bissau. A Federação Espanhola tenta agilizar os trâmites para que ele possa obter o passaporte espanhol e estar no Mundial Sub-17 pela Fúria, aqui no Brasil, a partir do dia 26 de outubro. Caso de fato aconteça, Ansu desfalcaria o Barcelona por cerca de um mês, o que incluiria ficar de fora do clássico contra o Real Madrid.

No final de semana, Ansu Fatsi foi o melhor jogador da convincente vitória do Barcelona contra o Valencia por 5 a 2. Não somente pelo gol e a assistência, mas por tudo que produziu. Aberto pelo lado esquerdo do ataque, levou o sistema defensivo adversário à loucura com um jeito de jogar muito agressivo. Rápido e habilidoso, não parou de se movimentar, buscou a finalização por mais de uma vez, deu lençol em Wass, ajudou na marcação, fez boas tabelas com os meias, etc. Um arsenal. Substituído por Luis Suárez, foi ovacionado pelo Camp Nou.

Foto: Reprodução Instagram | Após estrear no time A do Barcelona contra o Bétis, no fim de agosto, Ansu foi elogiado por Lionel Messi

Há um mês, Víctor Valdés definiu Ansu Fatsi como “anarquista”.

É um puro anarquista dentro do campo, e precisamos de dar liberdade a esses talentos, não escondê-los: precisam de fazer o que é natural para eles. É a nova jóia de La Masia“.

Pela idade que tem, e com os iminentes retornos de Messi e Démbélé, fica difícil de imaginar que Ansu tenha uma sequência no time titular com constância quando a temporada afunilar. De qualquer forma, essa é uma história que está somente na parte da introdução. Ansu Fatsi é o despertar de uma nova força e o mundo da bola já está sob atenção.

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